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sábado, 23 de junho de 2012

Os tesouros da Sé



Por fora a Sé tem o ar forte, característico da pouco romântica arquitectura de estilo românico.

Tem o ar de que vai estar lá para sempre, que vai somar mais oito séculos aos que já tem. Ou ainda mais.

A idade histórica já mal serve para medir a sua vida, parece uma escala demasiado pequena. Precisa de uma idade geológica, a que se usa para contar os anos às pedras que a formam, ao chão onde assenta.

Está lá desde da altura em que as roupas usadas por D. Fuas estavam na moda. Foi de uma das suas janelas que o bispo castelhano ser defenestrado e, mais tarde, benzeu as naus-casca-de-noz que usaram essa bênção para correr atrás do ouro, dos negros, das especiarias.

E foi resistindo, às vezes melhor outras quase nada, aos terramotos.

Por dentro tem uma imponência elegante que não se adivinhava de fora. Uma elegância já distante do seu estilo original.
De entre a sua sobriedade geral destacam-se os vitrais por onde entra a luz do sol, assim colorindo o chão da igreja. Um artifício engenhoso para ligar Deus aos seus fiéis filhos, compensando-os de forma paternalista pelo seu distanciamento que a rispidez das paredes quis acentuar.



Os claustros são de construção mais recente que a igreja em si. Têm uma relação engraçada com a luz e a sombra que permite fazer algumas experiências com a máquina. No centro dos claustros está uma exploração arqueológica a decorrer desde 1990 o que me conduziu a duas observações: (i) escavar com vassouras é um processo muito lento e (ii) não me lembro deste sítio arqueológico, o que me sugeriu ser esta a minha primeira visita à Sé.
Vale a pena gastar os dois euros e meio que custa a entrada nos claustros quanto mais não seja para ver um assinalável e inesperado conjunto de vestígios de construções mouras e até romanas, um pedaço de Lisboa que nos aproxima dos tempos lendários em que Ulisses achou ser este um bom sítio para as pessoas viverem.
O tesouro da Sé, nome quase hiperbólico para designar a exposição, alcança-se subindo umas escadas junto à entrada, do lado direito. A primeira sala serve sobretudo para enriquecer o vocabulário ou relembrar algumas das poucas palavras que conhecia. São cerca de 80 metros quadrados de mitras, dalmáticas, cíngulos, tocheiros, báculos e outros objectos cerimoniais usados pelos padres e bispos que aqui exerceram.
No entanto, na sala ao lado da principal, mais bonita que a primeira, está o maior tesouro da Sé. São três janelas do lado da Rua das Cruzes da Sé e de onde se tem uma vista impressionante sobre o Tejo e a Baixa, particularmente bonita no dia que escolhi para esta visita.





Estou mesmo convencido que nunca lá tinha entrado, apesar das milhares de vezes que passei pela Sé. Aposto que se passa o mesmo com a maioria dos lisboetas e é uma pena. Especialmente nestas tardes de Primavera pré-estival em que a visita nos dá acesso a um Tejo glorioso. Se a isso juntarmos a possibilidade de acabar a tarde numa das várias esplanadas ou miradouros da zona, está composto o programa perfeito. Quase sem sair de casa. 


domingo, 17 de junho de 2012

Águas Livres sobre o Vale de Alcântara



Estava há uma vida para ir ao Aqueduto. Pensava nisso quando passava lá por baixo, pensava nisso quando o via do autocarro ou da janela do escritório, mas havia sempre algo a impedir-me de o fazer. O principal motivo era ter que marcar a visita para quase um ano depois, o que é bastante desencorajador. Mas, para quem não sabe, a travessia do Vale de Alcântara pelo aqueduto reabriu ao público a vinte e três de Março e é visitável de Segunda a Sábado, das dez às cinco e meia até trinta de Novembro. Ou seja, já não há obstáculos, desculpas ou justificações. Por isso lá fui, no Sábado de manhã da passada semana. 

A entrada faz-se por Campolide e somos recebidos por um jardim bem cuidado. Invariavelmente, os guardas têm que chamar os visitantes para pagar o bilhete, já que a casinha onde estes se vendem fica fora da zona de passagem e quase fora do ângulo de visão. Mal pensado, não?  


Enveredando pelo estreito caminho que nos leva ao cimo das arcadas, foi com surpresa que fiquei a conhecer o bairro que ladeia o aqueduto. Quem o vê das ruas não imagina o tamanho das casas e dos jardins que se vislumbram, uns bem cuidados, outros nem por isso, mas sempre uma surpresa no coração da cidade. Sossegado, desce até à Calouste Gulbenkian, estando os ruídos do trânsito abafados pelas árvores e pela topografia natural do terreno.


Desta face, a vista não é a mais interessante, marcada pelo alcatrão das estradas e pelo betão dos prédios. Espero que se possa passar para o outro lado, pensei.


E pensei bem. Uma das portas dos torreões está aberta e permite satisfazer a minha vontade. Ao atravessar, podemos ver os túneis do aqueduto, que se estendem por centenas de metros e nos dão uma sensação de infinito, como quando dois espelhos paralelos reflectem um objecto em si mesmos vezes e vezes sem conta. Esta é sem dúvida a imagem mais marcante da visita.


E deste lado, o betão e o alcatrão são substituídos pelos tons quentes do casario, pelo traçado hipnotizante das linhas férreas, pelo verde do arvoredo e pela luz do Tejo, recortada pelos pilares da Ponte Vinte e Cinco de Abril, imagem inultrapassável no perfil de Lisboa. Bem mais interessante. Bem mais Lisboa.


Andando um pouco, encontramo-nos com a famosa placa que nos diz estarmos por cima do Arco Grande, a mais de sessenta e cinco metros do nível da água.


Para completarmos a travessia do vale de Alcântara, temos que passar novamente para o outro lado dos túneis. O Aqueduto muda de direcção um pouco mais à frente e é dessa parte que conseguimos ter a melhor visão das arcadas. 


A combinação de ângulos entre as várias paredes é fantástica...


Apesar de o aqueduto se estender até Belas, o nosso passeio termina com um portão que nos separa do arvoredo de Monsanto, ficando a vontade de um dia seguir a pé ao longo de todo o caminho. É tempo de regressar e, passado o jardim, uma visita ao tal bairro de ruas numeradas dá-nos uma voa vista das arcadas por onde passeáramos minutos antes.


Resolvemos ir até Belas para ver os primeiros quilómetros de aqueduto. Infelizmente, a maioria da construção está em terrenos privados, por isso apenas dá para ter uns vislumbres de alguns torreões e canais. Para a próxima, tentarei ir às várias mães d'Água espalhadas pelo seu traçado, já que é aí que tudo realmente começa...

sábado, 9 de junho de 2012

O fado nas paredes

Resolvidos de manhã os compromissos que nos obrigaram a passar em Lisboa o primeiro dia de uma semana de férias, e com a miúda na escola, decidimos ir almoçar às Portas do Sol, aproveitando algum calor da Primavera lisboeta que finalmente parece reencontrar a sua identidade.
O plano era, depois de almoço, descer pela Rua do Limoeiro até à Sé e aproveitar o resto da tarde para a visitar. Mas o parque de estacionamento das Portas do Sol estava completo e foi impossível estacionar nas ruas circundantes. Voltámos a descer até à Praça da Figueira, onde estacionámos para ir finalmente experimentar as sandes de leitão da Merendinha, na Rua dos Condes de Monsanto, que há tanto nos andavam a escapar.
E que bem nos saiu o desvio! Aquelas lascas de leitão entre as duas metades de um papo-seco, acompanhadas de uma tacinha de branco, são dignas de figurar nos melhores guias gastronómicos da cidade. Uma experiência de que nenhum lisboeta se deve privar. 
Separámos os nossos caminhos ali. Ela em direcção ao carro e aos seus afazeres e eu no sentido inverso. Queria manter o meu plano de ir à Sé, agora subindo pelo Largo do Caldas. Mas, logo no início da Rua da Madalena, o meu percurso desviou-se para atravessar o pequeno arco que conduz às Escadinhas de São Cristóvão.
Os arcos de Lisboa, tantos que tenho explorado enquanto Turista, escondem atrás de si recantos pacatos. Pequenos largos, praças e terreiros que são ilhas de serenidade imunes à efervescência da cidade. Os arcos de Lisboa são istmos. São pórticos mágicos onde não entra o barulho, o calor ou os gases da queima do gasóleo.

No caso deste, a magia é outra. As Escadinhas têm um grupo de amigos que decidiu um dia dar vida a uma parede morta e, como estamos na Mouraria, projectou um mural dedicado ao fado. Um mural que evoca os heróis da canção de Lisboa numa pintura bondosa e libertina, colorida e sensual, alegre e engenhosa. Uma pintura assim:






O caminho para a Sé prosseguiu minutos depois. Mas isso fica para a próxima…

sábado, 2 de junho de 2012

A Torre de Lisboa


Nos périplos de turistas na nossa própria cidade não temos dado grande atenção ao que os habituais visitantes costumam ir ver, salvo uma ou outra excepção. Por mim falando, tal acontece porque não sou fã de confusões e como a maioria dos passeios é feita ao fim-de-semana, os monumentos mais turísticos costumam estar demasiado cheios para o meu gosto, prejudicando não só a minha sanidade mental, como também as próprias fotografias. Mas no último Sábado resolvi levar a minha filha à Torre de Belém, aproveitando a curiosidade e a sede de conhecimento tão característicos dos seis anos de idade, o primeiro fim-de-semana sem chuva dos últimos meses e os últimos momentos livres que vou ter nos próximos tempos. 

Depois de ultrapassar a habitual dificuldade que é estacionar o carro por aquelas bandas, lá fomos as duas rumo à beira-rio. A maré estava baixa e o som das pequenas ondas nas pedras da amurada era abafado pelos sons dos instrumentos de um músico peruano e pelo triste gemido da concertina de um rapaz, que procurava ganhar uns trocos com a ajuda do seu pequeno cão, fiel portador da caixinha das moedas, que me pareceu ser mais uma garrafa de plástico cortada e atada ao pescoço do animal.   


Atravessado o passadiço que permite o acesso à Torre quando o rio sobe, resta passar pela ponte levadiça, outrora fundamental para que os defensores de Lisboa pudessem proteger a nossa cidade de invasores e piratas. Para isso serviam os canhões expostos no baluarte, dezassete segundo se pode contar, que disparavam contra os inimigos, enchendo a sala de fumo, escoado pelo pequeno claustim central à sala redonda de tectos abobadados. 


Por cima desta sala estende-se o imponente terraço que, apesar da beleza da pedra bem trabalhada por mestres de há tantos séculos, era ele próprio a segunda linha de defesa da Torre.



E começou então a odisseia das escadas em caracol. Não sou nada fã - fico com vertigens e claustrofobia ao mesmo tempo -, por isso tenho que admitir que subir todos aqueles andares com uma criança pela mão e outra dentro de uma barriga cada vez mais gigantesca foi no mínimo uma temeridade. Mas não há outra maneira de chegar às salas que se vão sobrepondo - sala do governador, sala dos reis, sala de audiências e capela -, nem às janelas e varandas que se vão multiplicando pelos vários andares e que nos mostram uma vista absolutamente espantosa sobre o nosso amado Tejo e um pouco mais além.


E chega-se por fim ao terraço, mesmo no topo da torre. 


Lá de cima, os visitantes que exploram o terraço do baluarte parecem muito pequenos...


... para não falar dos que atravessam o passadiço e que passeiam ali por perto...



Mas é a vista que vale realmente a pena, sobretudo perante os tons prateados que emanam do longo e tranquilo beijo entre o rio e o oceano, o beijo de dois amantes que se conhecem há muitos anos e que não concebem a vida sem o outro.




E é hora de partir. Isso implica descer todas aquelas escadas, mas apesar do medo das alturas que parece ter sido passado no sangue que corre nas nossas veias, valeu bem a pena revisitar a Torre, onde eu já não ia há uns bons doze anos.


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