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sábado, 29 de dezembro de 2012

Das reais barracas, dos livros dos reis e da paixão de Cristo


As saudades que eu tinha de dar um passeio... De estar apenas comigo, sem pressas, sem estar a olhar constantemente para o relógio. E de fotografar. Ontem esteve um dia glorioso. Frio, mas absolutamente fantástico. Quando acordei e vi o sol, soube que tinha que pegar na máquina e ir sair, quebrar a rotina que tem regido a minha vida nos últimos cinco meses. Aproveitar os últimos dias antes de regressar ao trabalho para finalmente descansar um pouco. E foi o que fiz. De mochila às costas, peguei no carro e fui até à Ajuda. Nos meus planos, estava ir ao Palácio Nacional para ver a exposição do Botero, visitá-lo se houvesse tempo e terminar o passeio no Jardim Botânico. 


O Palácio Nacional data do século XVIII e foi mandado construir por D. José I após o terramoto de mil setecentos e cinquenta e cinco. Feito em madeira para ser mais resistente a novos sismos, ficou conhecido como Real Barraca. Quis porém a ironia do destino - e o facto de ser em madeira, pois claro - que um grande incêndio o destruísse no final desse século, ditando o bom senso que a sua reconstrução fosse em pedra e cal. Mas este processo sofreu muitos soluços - alterações de estilo, fugas para o Brasil, invasões francesas e (espantem-se!) falta de dinheiro - por isso ainda hoje falta uma das fachadas do palácio (história completa aqui). 


Ainda assim, bela é a estatuária que recebe os visitantes e as arcadas não perdem encanto por desembocarem num pátio de paredes incompletas.


Preparava-me eu para ir ver a exposição do Botero, quando me deparei com aquela palavra mágica que me desvia sempre de qualquer caminho previamente traçado: biblioteca. 
  

Já tinha visto umas fotografias da dita e resolvi tocar para saber se poderia espreitar. Apesar de não estar aberta ao público, recebi uma visita guiada, com uma bela lição de História. Infelizmente não pude fotografar tudo aquilo que gostaria, mas deixaram-me fazê-lo do primeiro andar, que costuma estar interdito nas duas datas em que abre ao público - dezoito de Abril e finais de Setembro. E percebe-se porquê, o corrimão é daqueles nada amigos de quem tem vertigens e menos ainda adequado para proteger vários visitantes ao mesmo tempo. Ainda assim, vertigens à parte, consegui umas belas fotos.



Se tudo correr bem, voltarei em Abril na data oficial e fica a promessa da reportagem que este sítio merece. De olho e alma cheios, fui ver a exposição Via Crucis - A Paixão de Cristo, do Botero, que é só um dos meus artistas favoritos. Infelizmente não se pode fotografar, então deixo-vos algumas imagens de outros sites, que não estão com grande qualidade. O que mais me fascina na obra de Botero são as cores, que não negam a sua origem latino-americana. Nos vinte e sete quadros desta série, as últimas horas de Cristo estão retratadas numa mistura personagens da época com figuras e sítios actuais - desde carrascos de uniforme da guarda até ao homem de fato preto, que vai aparecendo em vários quadros. Apesar de não apreciar o tema, sugiro que vejam a exposição porque os quadros são extraordinários.

(daqui)
(daqui)
Soube entretanto que uma das partes do palácio está fechada, por isso adiei a visita ao seu interior para outro dia. Para não variar, é proibido fotografar, pelo que tenho que ver se consigo uma autorização para fazê-lo. Juro que é uma mania que me custa a entender, qual é o mal de tirar fotografias? Que saudades dos museus londrinos, onde se pode fotografar tudo o que se quiser...

Adiante. Saindo do Palácio e antes de ir ao Jardim Botânico (que mostrarei num próximo post), fui dar uma volta pelas imediações para espreitar a torre que se eleva omnipresente no nosso campo visual. É conhecida como Torre do Galo e sobreviveu à demolição da capela real, esta construída em madeira tal como o havia sido o Palácio. Ali fiquei um pouco a apreciar o sol de inverno e um silêncio prazenteiro, até que...


... olá Dona Rosa (ou seria Arlete? Odete, talvez?), oiço gritar a miúda franzina de gorro roxo na cabeça, que saía da carrinha da mãe para a porta da pequena mercearia da família, ali, mesmo à minha frente, assustando os pombos que como eu apanhavam sol. Que linda que estás com essa touca, respondia-lhe a velha Rosa ou Arlete ou Odete, enquanto se aproximava no seu passo ainda vigoroso, apesar de aparentar mais de setenta e cinco anos e do luto carregado. Mas estás sempre linda, não é? E a miúda seguia contente com o elogio, correndo atrás da mãe até ao café, para ir beber uma água e comer um bolinho. E a Dona Odete, Arlete ou Rosa continuou caminho, de encontro aos afazeres próprios da hora do almoço.


É desta malha que (ainda) se tece Lisboa. Dos grandes monumentos, cheios de erudição, ladeados pelas pequenas e modestas casas de bairro, dos vizinhos que se conhecem pelo nome e, porque não, da roupa estendida entre árvores de um jardim público. 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

No templo dos livros



O último passeio que aqui contei tinha deixado em aberto a promessa de mostrar a Ler Devagar, uma livraria instalada no que já foi um pavilhão de uma gráfica, no antigo aglomerado industrial de Alcântara que hoje é a Lx Factory.

A Ler Devagar não é um sítio a que se vai. É um sítio para onde se vai. Para ficar. O cliente da Ler Devagar é o cliente que vai lá para passar uma tarde a ler, a discutir ideias que leu, a escrever ou a fazer qualquer outra coisa que aqui se lhe inspire.

Porque este é um sítio inspirador para quem gosta de livros. As suas paredes gigantes estão forradas por livros (novos, velhos, raros, especializado, etc.) a perder de vista, organizados em prateleiras temáticas, como em qualquer livraria. A diferença é que aqui há livros, muitos, fora das prateleiras. Livros que estão sobre as muitas mesas, como que deixados a um livre arbítrio que os impeliu para fora da arrumação temática. Uma vontade que ninguém contraria, do mesmo modo que não se contrariam os animais sagrados na Índia.





Esta não é uma livraria. É um templo. É um local a que os fiéis devotos se deslocam para estar e honrar o deus-livro que adoram, para que este lhe dê as forças e a paz que a vida às vezes rouba.

Como num templo, aqui também há um altar. É a rotativa de impressão de jornais, uma máquina ciclópica que domina o centro deste templo e cujos pequenos recantos foram aproveitados para albergar dois cafés e, no seu topo, as obras de Pietro – um artista que se dedica à concepção de objectos cinemáticos.

Estou mesmo convencido que é a devoção que anima quem cria uma livraria assim. Alguém que cria um negocio que sabe à partida que não vai ficar rico e que se marimba para isso. Prefere fazer o que gosta, dedicando-se aos livros – e também a outras artes que a Ler Devagar não esquece –, dando-lhes um espaço único numa cidade onde fazia falta. 

Estar em Lisboa e não visitar a Ler Devagar é um sacrilégio que ninguém deve cometer. 




sábado, 20 de outubro de 2012

A fábrica de ideias

A LX Factory fica em Alcântara, entre o Calvário e as Docas num espaço roubado ao vazio deixado pelas indústrias nascidas no século XIX. Aquelas que protagonizaram a tardia e tímida revolução industrial portuguesa e cuja presença ainda se nota nesta zona de Lisboa, visível nas ruínas das fábricas, nas casas que ainda não sucumbiram aos condomínios e em alguns dos seus habitantes mais antigos.  
É um sítio pensado fora da proverbial caixa. Um sítio que alberga novos negócios e novas maneiras de fazer negócios antigos. Junta no mesmo espaço criadores, aristas plásticos e performativos, arquitectos das futuras cidades palpáveis e das cidades virtuais em que já começamos a viver.
E se esse ambiente é certamente mais presente nos dias de semana, quando os trabalhadores da economia que virá ocupam a Fábrica na sua rotina diária, ele é também sentido ao fim-de-semana, na decoração urbana observável um pouco por todo o lado neste espaço de mais de 20.000 metros quadrados.  

Mas se a LX Factory é um espaço de trabalho, é também um espaço incontornável para um turista, mesmo que lisboeta e domingueiro, como eu. Os restaurantes e afins têm um aspecto agradável e original e oferecem mil e uma possibilidades de refeição que vão desde o brunch ocioso ao jantar oriental passando pelo empaturramento do que dizem ser o melhor bolo de chocolate de Lisboa. 

E há a Ler Devagar. Milhares de livros acumulados em estantes com um pé direito infinito, estruturas metálicas que albergam esplanadas, corredores de música que dificilmente se encontra noutro lado e esculturas funâmbulas a atravessar todo o espaço. Mas isso fica para a próxima. É que acabaram de me dar autorização para a fotografar e é para lá que vou agora. Depois conto…   

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Debaixo da Baixa, pelas Galerias da Rua da Prata

Todos os anos, no final de Setembro, no âmbito das Jornadas Europeias do Património, o chão da Rua da Conceição abre-se mesmo em frente ao número setenta e sete, permitindo-nos visitar as galerias romanas da Rua da Prata, talvez o mais bem conservado vestígio da antiga Olisipo, cidade de grande importância para o império romano. Uns dias antes os bombeiros retiram a água que invade estes túneis durante todo o ano, continuando a bombeá-la nos três dias em que o espaço se torna visitável. E assim se monta um enorme aparato em pleno coração da Baixa, permitindo a quem quiser - e tiver tempo e coragem para enfrentar uma longa espera - descer às entranhas da cidade e tomar consciência da importância que sempre tivemos no mundo, hoje em dia tão posta em causa por engravatados de secretária.




Aproveitando o facto de não estar a trabalhar, convidei os meus sogros a acompanharem-me, de modo a ter o bebé por perto caso a coisa desse para mais tarde do que o previsto. Assim, enquanto ele foi passear com a avó, eu e o avô rumámos às galerias. Pouco passava das dez da manhã, hora da primeira visita, e a afluência era já enorme. Não tardou também a que se formasse uma fila considerável atrás de nós. Pelos vistos, a escolha do dia e da hora foi perfeita. 


Alguma conversa com as outras pessoas na fila e os discursos deste vendedor do Borda d'Água (e não só) ajudaram a passar o tempo. Afinal, esperámos quase uma hora e meia até que chegasse a nossa vez. Podem estar três grupos de vinte a vinte e cinco pessoas a visitar as galerias em simultâneo, por isso até foi mais rápido do que eu antecipei quando vi a fila.  


É claro que tamanha fila ia despertando a curiosidade dos transeuntes... 


E assim se aproximou a nossa vez. Eu sou um pouco claustrofóbica, por isso a ideia de entrar por um buraco no chão que passa mais de trezentos e sessenta dias por ano submerso não me deixa muito confortável. Valeu-me a longa espera, que me impediu de desistir.


Apesar de a descida meter um pouco de impressão - a mim, pelo menos - e de termos que nos habituar à humidade e ao calor que se faz sentir, a primeira galeria é bastante ampla. Quando o grupo se reúne finalmente - a descida demora algum tempo - ouvimos uma explicação da técnica do Museu da Cidade que nos acompanha ao longo da visita e que vou reproduzir de forma muito breve. Apesar de inicialmente se ter julgado que ali teria havido umas termas - sobretudo devido à proximidade das Termas dos Cássios - há agora bastante certeza que o lugar se trata de um criptopórtico, uma construção abobadada pensada pelos engenheiros romanos para suportar edifícios em terrenos instáveis. Parece também haver alguma evidência de que algumas das celas terão sido usadas para armazenamento. Afinal, Olisipo era um dos mais importantes portos do império e um centro comercial chave para a economia da época.  


O que é certo é que esta construção resistiu já a dois terramotos: o de mil setecentos e cinquenta e cinco e outro que se julga ter ocorrido na época romana e que terá tido uma magnitude similar. A edificação terá sido descoberta na altura do segundo terramoto, durante a reconstrução da baixa pombalina. Mais tarde, a população usava os poços que vão ter às galerias para se abastecerem de água, prática que foi proibida no início do século XX por suspeitas de insalubridade da água. Desses poços vêem-se estas 'chaminés', que vão pingando água para cima das nossas cabeças ao longo do percurso. 


Apesar de haver algumas paredes com as habituais assinaturas de mentes energúmenas, outras marcas há que representam as visitas dos técnicos ao longo dos anos. Como esta, com setenta e oito anos... uma pequena gota de tempo nos milénios que duraram estas paredes mas, ainda assim, uma marca interessante. A abertura ao público deu-se apenas durante os anos sessenta e, desde então, milhares de pessoas já terão visitado este local. 


O espaço é mais pequeno do que eu tinha antecipado. Conta com várias celas abobadadas, como estas, e é bem visível o nível a que habitualmente se encontra a água.


Na parte mais funda das está a Galeria das Nascentes, onde se vê a água a brotar do chão através de uma fractura no cimento. Existe outra equivalente no tecto e ambas são constantemente monitorizadas, também para tentar perceber se a retirada anual da água está ou não a afectar a estrutura. Segundo a nossa guia, as fracturas apenas se contraem ou expandem com a temperatura, o que prova uma vez mais o engenho dos engenheiros da época e a qualidade do cimento usado, que se pensa ser um antepassado do betão.


Apesar de o pé direito das galerias ser quase sempre amplo, há algumas zonas em que temos que nos curvar e andar quase de cócoras, como é o caso desta última galeria.


E assim termina o passeio. Dura apenas vinte minutos, mas justificam bem a espera. 


Por isso já sabem: poderão visitar as galerias amanhã ou Domingo. Deverá estar muito mais gente do que aquela que eu apanhei, mas podem tentar ir cedo. A abertura é às dez da manhã e o horário da última visita é às cinco e meia, mas poderão fechar a fila antes dessa hora, consoante a afluência. Levem calçado fechado, vai molhar-se de certeza. Se não conseguirem, para o ano há mais.

Para saber mais:

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