Nos últimos anos, o nosso país encheu-se de centros comerciais. Não de pequenos centros como havia antigamante, mas de monstruosos edifícios com vários andares, onde encontramos (quase) sempre as mesmas cadeias de lojas, os mesmos serviços, os mesmos filmes nas salas de cinema, os mesmos restaurantes. Espaços convenientes, não contesto isso, pois rapidamente podemos encontrar uma série de coisas de que precisamos (ou, muito provavelmente, de que não precisamos, mas enfim...) a dois passos umas das outras e num curto espaço de tempo. Espaços onde podemos passar um dia inteiro se assim nos aprouver, entre o almoço padronizado, a camisola barata feita na China que ainda está mais barata porque está em promoção, os livros, CDs, DVDs e afins que chamam por nós no antro da perdição (aka Fnac), o filme no cinema do chão peganhento, o vaguear pelos corredores a ver as modas, o hipermercado, e por aí em diante. Espaços onde famílias inteiras passam os seus fins-de-semana, mesmo quando o sol brilha no céu e as crianças poderiam estar a brincar ao ar livre. Não gosto de centros comerciais. Reconheço a sua utilidade e vou lá quando necessito, por isso não tenho legitimidade para criticar a sua existência, mas confesso que ao fim de algum tempo de lá estar, começo a sentir uma vontade enorme de fugir dali. Por isso evito-os tanto quanto me é possível.
Para além disso, há muita coisa que não se encontra nos centros comerciais, sendo a principal o amor às coisas bem feitas. O amor ao que se vende, ao que se ofereçe, a palavra amiga, a proximidade com o cliente. Ontem fui à Baixa para mostrar algumas lojas antigas à minha filha, lojas onde, entre outras coisas que não há nos centros comerciais, se encontra isso também. Não sei se estas pequenas lojas conseguirão sobreviver nos próximos anos - dói a alma ver tantas e tantas que já fecharam portas -, mesmo aquelas que ali estão há cinquenta, há cem ou há ainda mais anos. Algumas conseguiram reinventar-se, outras dificilmente sobrevivem aos senhores do parágrafo de cima e às grandes cadeias que também andam por ali. Ainda assim, enche-me o coração de esperança ver que, apesar de tudo, há algumas que, sendo recentes, tentam recuperar os padrões antigos de simpatia, atendimento, diferenciação e qualidade, promovendo o que é nosso, o que é português e o que ainda resta no nosso imaginário colectivo.
Começámos o nosso passeio pelo Chiado. As fotografias que tirei à Bertrand não fazem juz à sua beleza, por isso não as ponho aqui, mesmo sabendo que este relato ficará por isso incompleto. Mas prometo voltar a este tema em breve...
As lojas do Chiado, pelo menos as das suas ruas principais, parecem de algum modo ter mais hipóteses de sobreviver ao que aí virá pelo número esmagador de turistas que se encontra em qualquer dia, a qualquer hora por estas bandas. Ou talvez não...
Uma das minhas preferidas é a Casa Pereira, uma das poucas lojas de cafés, chás, chocolates e afins que ainda subsistem em Lisboa. O cheiro destas lojas é inigualável e está entre os meus favoritos: o aroma divinal dos grãos de café, misturado com a docura dos chocolates e o cheiro das folhas de chá. Comprei uns bombons com creme Regina, os que eu mais gostava em criança, e um pouco de Chá de Natal para as tardes de inverno. Falei com os empregados sobre o negócio e a crise e a minha filha recebeu festas de simpatia e uma joaninha de chocolate para experimentar.
Descemos para a Baixa e, rapidamente, entrámos no mar de gente da Rua Augusta. Sempre que por lá passo, fico com saudades dos primeiros anos de faculdade, em que a atravessava todos os dias para ir para o barco no Terreiro do Paço, e de um dos meus primeiros empregos, que era por aquelas bandas e que deixava toda aquela zona por minha conta à hora do almoço.
Casas de carimbos, de sedas e tecidos, de artesanato para turista ver, de artesanato para português ver, de artes decorativas...
... e as esplanadas, onde eu adorava sentar-me a escrever e a apreciar as vidas que se desenrolavam à minha volta.
Mas muitas das lojas que valem realmente a pena estão nas paralelas e perpendiculares à rua Augusta. Drogarias e perfumarias à antiga, que vendem detergentes, sabonetes, vernizes e essências; lojas de tapetes e tapeçarias, lojas de candeeiros, de atoalhados, de tachos, panelas e facas, alfaiates, costureiras, garrafeiras, retrosarias repletas de lãs, galões e botões... e poucos clientes. Muito poucos...
Vai havendo excepções, como a ervanária Rosil, que ainda não conhecia e onde fui comprar alfazema da melhor que há, menina, só a flor, que esta aqui nem faz pó. Os empregados são de uma simpatia ímpar, e lá recebi uma explicação gratuita sobre ervas e os seus benefícios, num espaço imaculadamente arranjado, com duas lojas quase paralelas (fui à pequena, só depois vi a grande) e uma enorme variedade de chás de ervas várias, quase a roçar a mezinha, preparados e embalados na loja e que ostentam orgulhosamente o seu nome, os seus benefícios e a sua composição. E que, pelo que percebi, continuam a vender bem.
Fazer destes passeios com uma criança tem as suas limitações e cedo a pequena barriga começou a dar horas. A montra da Confeitaria Nacional tinha-lhe ficado debaixo do olho guloso e, como servem almoços simples no andar de cima, foi lá que parámos para descansar. A Confeitaria é belíssima, com os seus tectos trabalhados, chão de tábua corrida e uma decoração e arranjo sem igual. Isto já para não falar nos bolos. A não perder.
O almoço (e algumas dores nos pequenos pés) quebrou o ânimo infantil e a curiosidade para ver mais lojas antigas começou a diluir-se. Estava na hora de regressar... fomos então pela Rua da Betesga, cujo nome provocou sinceras gargalhadas, até ao Rossio, para subirmos para o Chiado pela Rua do Carmo. Apesar do tímido Outono, o cheiro a castanhas assadas já perfuma as ruas de Lisboa.
Na Rua do Carmo, ouvia-se fado como de costume, a sair das colunas instaladas no belo e já quase histórico calhambeque, que há tantos anos é o único carro que ali pode estar estacionado em permanência.
Destas coisas não vemos nós nos outros centros comerciais. Acho que todos temos pena quando vemos nas notícias que cada vez fecham mais lojas e que os centros das cidades estão cada vez mais desertos. Mas todos nós fomos responsáveis por isso e também passa por nós mudar essa realidade. O momento não é o melhor, é certo, porque todos teremos que nos habituar a comprar menos. Eu diria que se com isso nos habituarmos também a comprar melhor, a pensar no que estamos a comprar, em como e onde foi feito e o que nos oferece quem está a vender, talvez haja ainda uma hipótese. Por isso, a vocês, nossos leitores, fica o apelo: se tiverem possibilidade, prefiram o comércio tradicional.
Adorei, João! As fotos, o texto, tudo. Tens mesmo jeito para isto, tu! :)
ResponderEliminarOlá Sharon, João ou Susana não interessa, o que interessa é teres gostado. Obrigado pela visita. Beijinhos :)
ResponderEliminarAo ler esta reportagem, tive a confirmação de que de Lisboa não conheço nada.
ResponderEliminarGostei muito de ler e de aprender.
Muitos parabéns pela fluidez e escrita cativante.
Muito obrigado Remus. Esperamos continuar a receber as tuas visitas e comentários, são sempre um estímulo para continuar :)
ResponderEliminarExcelente fotos. excelente reportagem. Gostava de fotografar a florista que aparece na reportagem. Em que rua de Lisboa fica?
ResponderEliminarObrigado Polittikus. A florista é na Rua Garret, do lado direito de quem vai a descer. Volte sempre.
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