Lisboa, 1 de Dezembro de 2011
Prezada Senhora,
Estou certo que no sítio onde está já lhe terá chegado a grande notícia do reconhecimento do fado como património imaterial da humanidade. Tão certo como estou de que terá ficado contentíssima com essa novidade. Afinal não me ocorre ninguém que mais tenha contribuído para a divulgação da canção nacional por esse mundo fora, ainda por cima numa época desprovida dos meios que hoje existem e permitem fazê-lo sem que isso implique correr esse mesmo mundo.
Devo confessar que não sou um conhecedor do género. Contam-se pelos dedos de uma mão os fadistas que consigo identificar e se juntar os dedos da outra devem chegar para arrolar os fados que me são familiares. Compreenderá que, para alguém que se orgulha da cidade onde nasceu, que gosta de escrever sobre ela e de a conhecer melhor, esta ignorância sobre a canção de Lisboa me envergonha um pouco. Por isso, aproveitei a efeméride e resolvi visitar o Museu do Fado em Lisboa, no Largo do Chafariz de Dentro, onde Alfama se encosta ao Tejo, no edifício que antigamente albergou a primeira estação elevatória de águas da cidade.
O museu ocupa três pisos a que se acedem por escadas laterais a um vão central. Uma arquitectura engenhosa que permite tirar proveito da luz que entra pela fachada envidraçada do edifício e que dá espaço aos três painéis (um por cada piso) fotocompostos com imagens de dezenas de artistas do fado, na parede oposta à fachada.
No piso térreo fica a loja por onde se entra na exposição (uma localização pouco eficaz em termos de marketing mas decerto condicionada pela escassez de espaço) e que tem uma apreciável selecção de CD's à disposição dos visitantes. Neste piso estão expostos alguns galardões internacionais concedidos a fadistas e um pequeno expositor dos géneros musicais que antecederam o fado.
Na cimo da escada que nos leva ao primeiro piso está uma parede coberta de poemas para fados num português que já não usamos e que nos conduz a uma sala onde está uma miniatura da famosa Casa da Mariquinhas. Um ponto alto do museu é o também célebre quadro de José Malhoa, posto em destaque numa sala em que, ao mesmo tempo em que são expostos instrumentos dos primórdios do fado, se dá também nota do carácter boémio, arruaceiro (para não dizer marginal) dos primeiros fadistas. ´
Confesso que fiquei a pensar como é que se conciliaria uma personalidade marialva com a sensibilidade extrema posta nos poemas sobre a saudade, as dores do amor e outros fatalismos. Mas depois lembrei-me que nós - os portugueses, os lisboetas - somos mesmo assim: capazes de cometer as piores sacanices (a senhora desculpe o termo, mas é o melhor que encontro) sem pestanejar, só para não fraquejar perante outros, e, para com aqueles que amamos sermos capazes do mais lamechas e doce mel - e tudo num mesmo dia. E se o lisboeta é assim, suponho que a canção da cidade não podia ser diferente.
Bom, mas a senhora já não viveu esses tempos de arruaça mas outros que o museu também nos mostra. Tempos em que as letras, mesmo que cantadas para as pequenas audiências das casas de fado tinham que se submeter ao exame prévio, à censura. Tempos em que o fado entrou no teatro de revista, na vitrola, na rádio e depois na televisão e se tornou maior. Talvez a única altura em que foi verdadeiramente mainstream, em que a ideia de lhe dedicar um museu devia parecer um perfeito disparate. Tempos que acabaram com as últimas duas décadas do século passado, parte a que se dedicam as últimas salas do piso mais alto do edifício, onde reside a exposição permanente.
Só me falta contar-lhe sobre a exposição temporária (no piso -1) que encontrei e me encantou. É sobre o trabalho do mestre guitarreiro Óscar Cardoso (sem relação com o futebol, tema que nem queria trazer aqui pelas desventuras por que tem passado o seu Belenenses) e onde se podem ver peças únicas como guitarras com dois braços, uma viola escavada ou uma guitarra gótica. Só lá estão até ao final deste mês.
Para além das exposições o museu tem uma escola, um pequeno auditório, locais de ensaio e até um simpático restaurante. Resumindo, num espaço bastante limitado fez-se um excelente trabalho de divulgação e preservação do fado e da sua memória.
Claro que a vida do fado não depende deste museu nem do patrocínio da UNESCO. Está nas centenas de artistas que o praticam, o ensinam, o tocam e cantam em grandes palcos, como a senhora o fez, ou em esconsas casas de fados como tantos anónimos.
Mas a maior prova da sua vitalidade encontrei-a ao tomar o pequeno-almoço numa pastelaria em frente ao museu, na forma de um fado cantarolado por uma senhora enquanto esperava que lhe servissem uma bica. Para lá das impressões que colhi da visita a museu, este é um testemunho que não queria deixar de partilhar consigo.
Sem mais, despeço-me da senhora reiterando as minhas felicitações pela recente consagração do fado e apresentando-lhe os meus muito respeitosos
melhores cumprimentos,
Ahaha, só tu, João! Está bestial esta carta e as fotos, claro. A Amália já te deve ter dedicado um fado lá do outro lado! ;-) Está muito bom este museu, não é? Eu adorei, quando o visitei. Keep writing!
ResponderEliminar:-) Thanks teach! Ainda bem que gostaste.
ResponderEliminarYou're welcome! Ainda bem que gostei de quê? Do teu post, ou do Museu? ;-) Estou só a complicar com os teus nervos! :) Bjs.
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