Às vezes os meteorologistas acertam e, tal como anunciado, Sábado foi mesmo um dia de bonança entre a tromba de água de Sexta e a chuva contínua de hoje. Como tal, os planos de ir roubar umas imagens à Feira da Ladra mantiveram-se inalterados. Subimos até ao Campo de Santa Clara pela Rua do Mirante, entrando pelo lado mais povoado da feira. Havia alguma agitação no ar: a polícia estava a fiscalizar os vendedores não licenciados e a apreender mercadorias, levando à censura por parte de um dos vendedores da primeira fotografia que tentei tirar. Mas foi um caso isolado: todos os outros anuiram aos nossos pedidos.
Deste lado da feira temos literalmente que andar aos encontrões. Vende-se de tudo, desde baterias para portátil a verniz para as unhas, passando por pasta dos dentes, pornografia, roupa nova ou usada ou carrinhos de linhas, cheios e vazios.
Perdi-me por três coisas: estes ferros a carvão, as máquinas de escrever e as máquinas de costura. Tudo em mau estado, é claro, mas a despertar em mim o desejo de saber devolver-lhes a antiga glória. Não sabendo e não tendo levado mais do que uns trocos no bolso, lá ficaram à espera de outro comprador mais habilidoso.
Os botões em osso para as ceroulas, as colecções de moedas, os serviços de jantar - ou de chá, ou de café - incompletos, faqueiros ferrugentos, lençóis que pertenceram a casas finas, minha senhora, toalhas de mesa, novas, velhas ou assim-assim, todos aguardam novos donos, novas histórias, novas vidas.
E há também as revistas e os jornais que relatam dias mais lentos mas nem por isso mais fáceis do que os de agora. E os livros, sempre os livros, que guardam os sinais do tempo e um pouco da alma de quem um dia os leu.
Quando se sobe esta rua que contorna o mercado de Santa Clara, o ambiente da feira transfigura-se. Quase se pode dizer que se entra no lado seu lado mais "chique", onde as velharias passam (ou pretendem passar) a antiguidades, onde o ar malinder dos vendedores dá lugar a outro que faz o que pode por ser ou parecer mais distinto. Desse lado da feira consegue ouvir-se um duzentos euros, mas pode negociar-se vindo de uma banca, onde os meus olhos desconhecedores falham em identificar algo por que eu pagasse aquele valor.
E a feira continua, rua acima, dando agora lugar a artesãos urbanos, que vão vender as suas roupas, casacos, adereços com um ar um pouco mais alternativo, até que, passando-se o Arco (Grande de Cima), a venda habitual e descontraída das bancas dá lugar a bagageiras de carros abertas e mantas estendidas no chão, sempre a postos para serem fechadas ao mínimo vislumbre de um traço de autoridade. E essa, no Sábado, andava por ali, como poderão dizer os feirantes, os clientes e os espectadores menos prováveis que têm lugar privilegiado no cimo de um candeeiro. E eu - nós - apenas a roubar imagens.
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