Apesar da sua má fama à noite, durante o dia o Parque Eduardo VII é uma espécie de oásis no coração de Lisboa. Tem árvores lindas, está bem cuidado, tem sombras perfeitas para relaxar, ler um livro e, porque não, fazer um piquenique mesmo durante a semana, para variar dos restaurantes de todos os dias e dar um novo alento para uma tarde de trabalho.
Para além das sombras e relvados, o Parque alberga a Estufa Fria, o Pavilhão Carlos Lopes, uma escultura em homenagem ao vinte e cinco de Abril com um formato questionável e uma alameda de jardins labirínticos em honra de Amália Rodrigues, que segue parque abaixo até ao Marquês do Pombal onde um Sebastião José de Carvalho e Melo de frente para o Tejo e para a sua Baixa não consegue ver o que todos os anos acontece mesmo nas suas costas.
É que uma vez por ano, entre Abril e Maio (Maio e Junho, num passado recente), o Parque é palco da Feira do Livro, que vai já na sua octogésima primeira edição.
A Feira é um evento muito esperado por todos os amantes de livros: é um espaço onde os livros se vendem, onde os livros se vêem, onde os livros se autografam, onde os livros se discutem, onde os livros se abrem a grandes e a pequenos leitores. Sobretudo aos leitores pequenos, onde a cada ano que passa há mais e mais bancas que lhes são exclusivamente destinadas, mais e mais espaços para as suas brincadeiras e onde a sua imaginação pode fluir, mais e mais programas onde se pretende plantar desde cedo a semente do gosto pela leitura. Eu lembro-me bem de lá ir quando pequena e essas idas tornaram-me numa frequentadora assídua nos anos que se seguiram. E este ano não foi excepção.
Na feira, continua também a haver a a oportunidade de conhecer pessoalmente os nossos escritores favoritos e falar um pouco com eles, quer seja nas sessões de autógrafos, quer seja nas conferências e colóquios. No fundo, a oportunidade de nos sentirmos mais próximos de todo o mundo literário.
O que noto a cada ano é o cuidado cada vez maior na apresentação das bancas, na concepção do espaço e nos pormenores que são usados para captar a atenção do visitante. Não sou grande fã dos espaços dos grandes grupos editoriais, que vão um pouco contra o conceito habitual de pequenas bancas alinhadas em filas simétricas e perfeitas e afectam de algum modo a sensação de desafogamento que sempre caracterizou a feira. Nesses espaços há seguranças, há alarmes que tocam, há caixas centrais, há a sensação de que estamos num centro comercial. Não gosto disso. No entanto, também por causa desses grandes grupos, também nos seus espaços, há palcos onde se ouvem bandas mais ou menos conhecidas, sobretudo de jazz, mas também de outros estilos musicais. Há grandes pufs e sofás espalhados, há esplanadas, há vinhos e chás que se provam e, com estas inovações, há também um esforço por parte dos pequenos editores para tornarem as suas bancas e o espaço circundante mais atractivo, sem no entanto descaracterizarem a feira.
O que é uma constante de ano para ano é o livro do dia, sempre a preços vantajosos. É-o também o preço extraordinário das colecções descontinuadas, das edições antigas, dos livros que saem dos armazéns das editoras e que, apesar de parecerem menos bonitos que os das novas edições, contêm a mesma história, que é o que realmente importa. E é a oportunidade de comprar alguns livros e mapas antigos nas bancas dos alfarrabistas, objectos que já passaram por outras mãos e, por isso, guardam um pouco da alma de quem um dia os leu.
Este ano, creio que pela primeira vez, a feira abre ao meio-dia e não às tradicionais quatro da tarde, significando isso que se pode aproveitar a hora de almoço para uma visita, longe das confusões do fim-de-semana. Foi o que fiz, mas apenas com o propósito de ver como estava a feira este ano. O tempo não dá para muita coisa à hora de almoço...
Voltei lá no dia seguinte, ao final da tarde, já com companhia e já com o intuito de comprar alguns livros. Não que devesse, é cada vez mais difícil ter prateleiras suficientes cá por casa. Ainda assim, é quase impossível resistir...
A luz que desaparecia não me permitiu tirar muitas fotografias. Apenas esta do Marquês, por entre as árvores do parque...
... e esta, no final de um concerto de jazz a que assistimos, num daqueles espaços fechados a que me referia há pouco, onde confesso que me soube muito bem estar sentada a ouvir boa música e a tomar um chá quente para afastar o frio que se fazia sentir.
Para o ano, mantenham os palcos, os concertos, os sofás e as esplanadas, mas esqueçam os alarmes, os seguranças, as caixas centrais e a lógica do centro comercial. Pode ser?
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