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domingo, 1 de abril de 2012

Uma Bica cheia

Partindo do largo do Camões temos vários dos melhores pontos de interesse que Lisboa pode oferecer, ao alcance de uma agradável caminhada. O Bairro Alto, o Príncipe Real, o Chiado, as lojas, os teatros, os mais antigos restaurantes e cafés, livrarias e alfarrabistas; enfim uma série de factores que me levariam a aconselhar fazer deste ponto a sede de uma visita à cidade.

Outra das boas razões para um turista se hospedar por aqui é o excelente Hotel do Bairro Alto. A pernoita não é barata (embora valha cada cêntimo) mas por muito menos dinheiro pode-se aproveitar a vista do seu terraço, debruçado sobre o rendilhado de ruas que começa na trágica Rua das Flores e desce até à rua de S. Paulo e sobre o Tejo, claro.

A escolha menos óbvia para quem saia do hotel, será virar à esquerda e subir a rua da Horta Seca, em direcção ao Bairro da Bica, deixando para trás os apelos do Chiado ou do Bairro Alto preterindo-os por uma zona dominada por prédios de habitação, quase silenciosa quando comparada com o bulício cosmopolita e babélico que se deixa para trás.

A maior parte da Bica é composta por edifícios modestos, estreitos e antigos mas mais bem conservados do que o que tenho observado em outros recantos típicos da cidade. Se atalharmos para a esquerda, em direcção ao miradouro de Santa Catarina e à estátua do Adamastor, encontram-se alguns palacetes notáveis, com uma vista invejável, que na maioria me pareceram de habitação.   



A calçada do Combro marca a fronteira com o Bairro rival, o Alto, mas é precisamente do outro lado que se fazem os inexcedíveis arraiais populares da Bica, num largo a que se acede por um pequeno portão encostado à igreja de Santa Catarina.  Indo lá agora, ninguém acreditaria nos excessos que se cometem nessas alturas mas, se aceitarem a proposta de uma bica por 0,45€ (e de wireless free), e se derem ao trabalho de trocar duas palavras com o senhor que ma serviu, talvez vos conte sobre as noites dos santos: os copos, as mulheres e o que elas com eles (os copos) lhe prometem para que as deixe passar à frente na fila da casa de banho…

Mas o grande atractivo da Bica é o seu elevador que desde o fim do século XIX ajuda os lisboetas a vencer uma das mais ingremes colina de Lisboa, ligando a Rua de S. Paulo à calçada do Combro. Li algures ser esta a rua mais fotografada de Lisboa. Não sei se será bem assim, mas a sensação que fica é que os elevadores, como os eléctricos que ainda restam em Lisboa, já só servem os turistas, actuando como figurantes num cenário montado para atrair forasteiros.

A Rua da Bica de Duarte Belo, onde os elevadores passam os dias num sobe e desce castiço e pachorrento, transforma-se após o pôr-do-sol. De há uns anos para cá, começaram a instalar-se aqui pequenos bares, o que trouxe à Bica um bocado do vizinho Bairro - uma afluência noctívaga com que os elevadores parados não se importam de conviver.

Da Rua de S. Paulo, onde desemboca o elevador (no número 234, caso alguém lhe queira escrever), tenho sempre uma ideia de ter já sido uma rua prestigiada, de prédios que já foram elegantes, esguios e vistosos, com o privilégio de avistar o Tejo, pelo menos para quem habite os apartamentos mais altos. Mas esse prestígio extinguiu-se. Morreu com a incúria dos donos da rua, os donos das casas que as fazem, das casas que estão velhas, feias, arruinadas. Casas que agora só servem para os mais pobres, os mais velhos, os mais estrangeiros habitantes de Lisboa.
Este passeio termina, terminou, no Largo de S. Paulo. Dominado pela igreja dedicada a esse santo, permanece imponente, amplo, alheio à degradação que o rodeia. Um último reduto de dignidade urbana. Uma lembrança teimosa sobre a possibilidade de recuperar para a vida (a diurna, que à noite a história é outra) esta zona da cidade. Uma zona tão bem localizada como irracionalmente negligenciada. Até quando?


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