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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Alfama pela manhã


- Bom dia. Posso tirar fotografias? – Disse eu ao entrar na loja de conservas.


A senhora da loja saiu do pequeno escritório atrás do balcão, olhou para mim e, ainda meio hesitante, anuiu ao meu pedido.


- A loja é muito antiga? – Perguntei, enquanto fotografava, por estranhar o ar muito cuidado do recheio da loja que contrasta com a rustiquez das paredes.


- Se achar que oitenta anos é ser antigo… - respondeu-me a senhora num tom pouco paciente.


- O senhor se calhar não sabe o que está a fotografar…


- Não – respondi. Aqui fui eu que hesitei. A resposta óbvia – uma loja de conservas – não me pareceu adequada. Escolhi a deixa que julguei ser a que a senhora procurava para me contar um pouco da história daquele sítio. Enganei-me.


- Se calhar já chega de fotografias… - rematou a senhora, arrumando ali as minhas esperanças. Agradeci e fui-me embora.


Foi assim que começou o meu passeio na manhã do último sábado. A loja é a Conserveira de Lisboa, está na Rua dos Bacalhoeiros desde 1930 e é imperdível. Tem conservas de peixes e mariscos, expostas de forma irrepreensível em prateleiras e balcões à antiga. E até aposto que o atendimento é simpático e competente. O que aconteceu comigo foi incidental e, bem vistas as coisas, eu não era um cliente.




Na verdade o passeio começou um bocado antes, no Terreiro do Paço, com o pequeno-almoço no Martinho da Arcada. Um dos poucos vícios burgueses que tenho é gostar de comer fora a primeira refeição do dia e ter a oportunidade de o fazer por baixo daquelas arcadas, quando Lisboa começa a acordar, não se deve desperdiçar.



Depois de sair da Conserveira segui a Rua dos Bacalhoeiros com a intenção de ir até ao seu final, ao encontro da Rua da Alfândega e em direcção a Santa Apolónia, pela zona ribeirinha. Esse plano foi completamente alterado quando me deparei com um arco escuro a que decidiram chamar, e bem, Arco Escuro e que nos conduz ao beco com o mesmo nome.


A partir daí embrenhei-me no sossego das ruas que me conduziram até à Sé – As escadinhas das Portas do Mar, a Rua das Canastras, a Rua Afonso de Albuquerque e a Travessa do Almargem que se sobe para chegar às Cruzes da Sé. Andei por ali a fotografar as laranjeiras que ornamentam a calçada junto à Sé, até perto do Beco da Caridade. Aí voltei para trás, apanhando a Rua de S. João da Praça para entrar na terra do fado, Alfama. A marcar a fronteira de entrada nessa terra está uma inesperada conquista – um placar numa parede do Largo do Marquês do Lavradio a anunciar uma casa de Fado chamada Marquês da Sé – casa onde há muitas luas se podiam ouvir bandas de música pop e rock que davam os primeiros passos.


Na travessa do Chafariz de El-Rei deixaram-me fotografar um cantinho de uma outra casa de fado que há por ali e que acabava de abrir porque “ontem fechámos às três da manhã”.



Continuei a descer pela Rua da Judiaria até ao Arco do Rosário onde está a restaurada Fonte do Poeta. Na parede à esquerda da fonte está gravado um poema de António Boto que acaba assim:


Anoiteceu. Ninguém só a voz dela


Só essa voz…ao longe num desmaio


O timbre vivo e pálido de um grito


Levantei-me. Deixei-a. Tristemente


Acendeu-se uma estrela no infinito.


Estar naquele beco, só eu e a força deste poema, é uma daquelas situações que melhor exprimem o prazer que retiro destes pequenos passeios solitários e que não é fácil explicar. Imagino que seja uma coisa parecida com o que se retira do ioga ou da meditação – algo que devolve a quem o pratica um bocado do equilíbrio que a rotina vai roubando.



O meu caminho continuou em direcção à Rua de S. Miguel que vai dar à igreja desse santo e que fica no largo também de S. Miguel, tal como as escadinhas onde comecei a minha subida em direcção às Portas do Sol onde não cheguei, tendo começado a minha descida junto ao pequeníssimo jardim de Sta. Helena.


Neste percurso encontrei uma verdadeira aldeia dentro da cidade, onde as pessoas se conhecem, onde as portas estão abertas, onde não passam carros, onde sai música (fado, claro) das janelas das casas, onde estão velhotas sentadas e que me dão os bons dias quando passo. Há lavadouros públicos, no Pátio do Prior, associações de locais como a centenária Sociedade da Boa-União, fundada no primeiro de Janeiro de 1870 (uma das melhores decisões de ano novo alguma vez tomada – e concretizada) e balneários públicos, já perto da Rua de S. Miguel que reencontrei quase no fim da minha descida.



A Rua da Regueira levou-me até ao fim da descida ou seja, até ao Largo do Chafariz de Dentro, onde está o Museu do Fado. A partir daí segui paralelamente ao rio de em direcção ao Terreiro do Paço que agora estava sob uma luz mais pálida, efeito das nuvens que tinham decidido, entretanto, aparecer.


Já no carro, ainda tive oportunidade de atrapalhar o trânsito na Rua do Instituto Virgílio Machado. Não pude deixar de parar para fotografar uma homenagem a Saramago que alguém decidiu pintar numa parede. Antes de regressar ao sítio onde me esperavam.


5 comentários:

  1. Não te sabia, amante da fotografia!
    Parabéns!
    Gostei da tua reportagem. Conheço bem essa loja de conservas, passo por lá quase todos os dias, e algumas vezes faço lá compras.
    Quanto ao Martinho, também gosto de começar lá o dia!!!

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  2. Devias ter comprado uma ou outra latinha de conserva e tinhas mais uns minutos para fotografar...! :)

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  3. Eheheh. Voltei lá uns dias depois e comprei. A loja vale mesmo a pena a senhora é que não estava lá. Obrigado pela visita. Beijinhos.

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  4. Boa tarde, vim até aqui através do face "Turista em casa", adorei o blog, gostava imenso de andar tb por aí a ver e fotografar, falta "coragem" e tantas outras coisas :)
    Fiquei fã deste espaço, vai para os meus favoritos.
    Obrigada, até breve

    Mena

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