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sábado, 6 de agosto de 2011

249 Liberdade

"Sebastião José de Carvalho e Melo, de frente para o Tejo e para a sua Baixa não consegue ver o que todos os anos acontece mesmo nas suas costas", escrevi eu em tempos sobre o Marquês e a sua estátua. Ontem, tal como ele, deixei o Parque para trás, segui o seu olhar e fui ver as novidades à Avenida da Liberdade. 


Que novidades? A Avenida, há tanto conhecida pelas suas lojas de marca, pelos seus preços exorbitantes, pelo seu trânsito, por ser uma das zonas mais poluídas de Lisboa e, mais recentemente, por ter sido transformada numa horta gigante por dois dias, num misto de apelo à produção nacional e de golpe publicitário duvidoso de um hipermercado (duvidoso para os meus padrões, entenda-se, porque as poucas vezes que lá tentei comprar produtos frescos, não eram nacionais e não eram bons...), a Avenida, dizia eu, ganhou novas cores e nova vida nos últimos meses. 


Bancos, candeeiros e pilaretes estão pintados de fresco, há música no ar e há novas esplanadas servidas por pequenos quiosques, um conceito que (finalmente!) começa a alastrar pela nossa cidade. Afinal, há vida para além do frenesi pontual dos que ali trabalham ou consomem e, apesar de o rácio de estrangeiros (espanhóis, quero eu dizer) para portugueses rondar os dez para um, tive a ligeira sensação de ter conseguido ouvir mais vezes a minha língua do que em qualquer outro passeio que tenha feito por esta Avenida. Óptimo, está na hora de os lisboetas apreciarem o que têm cá dentro e qualquer ajuda para que assim o seja é muito bem-vinda. 

A Avenida da Liberdade foi, em tempos, o expoente dessa vida. Se pensarmos, é lá que está o que foi um dia o mais importante cinema de Lisboa - o São Jorge -, a mais emblemática sala de espectáculos - o Tivoli - e um espaço com restaurantes e quatro teatros que era a casa e a vida de tantos artistas e o gáudio de tantos lisboetas: o Parque Mayer. Um espaço que voltou à ribalta por negócios obscuros, indecisões camarárias, permutas de terrenos, arquitetos famosos, mas uma ribalta apenas na imprensa e nos tribunais, porque o espaço, esse, continua em ruínas, apenas com um dos seus quatro teatros em funcionamento - o Maria Vitória -, um ou dois restaurantes e alguma arte urbana que mal consegue fazer-nos desviar os olhos da degradação reinante. 
Confesso: foi uma experiência algo arrepiante. Nos cerca de dez minutos que me demorei a explorar o espaço, não vi uma única pessoa para além do senhor que estava na bilheteira. Só vi carros estacionados e pelo menos uma dezena de gatos. Não ouvi um ruído, nem da avenida, nem de dentro dos edifícios, não vi uma cabeça a espreitar, nada de nada. A sensação que tive foi a de estar num filme do Miyazaki e que, assim que escurecesse, aquele lugar iria encher-se de deuses e espíritos e sem-face. Creepy...


Foi assim que voltei com algum alívio à Avenida que, apesar de ao final do dia estar já bastante sombria, me pareceu bem mais acolhedora do que o espaço do Parque.


A Avenida é rica em pormenores. Não fui pesquisar sobre a sua história, sobre as suas estátuas ou sobre os seus pequenos lagos, mas não deixo nunca de me pasmar com a beleza que aquelas águas conseguem reflectir.


E assim acabo a minha descida. É bom sair das sombras e entrar nos Restauradores. Se me perguntarem o que mais gosto em Lisboa terei que dizer que são as suas cores, sobretudo ao final do dia. É um espectáculo memorável. E a Praça dos Restauradores capta-as quase todas - só lhe falta a cor que vem do rio, que vemos ao fim do dia nos tantos miradouros da cidade. Esta zona de Lisboa está magnífica. Como dizia o João no outro dia, o lisboeta tem que se conformar com o tempo que duram as obras na sua cidade, se quiser manter a sanidade mental. Durante boa parte da minha infância e adolescência, a imagem que tinha desta zona da cidade era a dos tapumes das obras. O Google não está a colaborar comigo para me dizer quanto tempo demorou a requalificação da Baixa, mas a minha memória diz-me que foi muito. O que é certo é que hoje sinto um imenso orgulho quando passo por aqui. Ficou realmente bonita, esta minha cidade. E não podemos ficar indiferentes à pequena placa de intervenção, que apesar de estar rodeada por tanta beleza, nos lembra como o nosso país está de pernas para o ar.     


Já eram oito da noite, mas o plano era subir a Avenida para aproveitar os últimos minutos de luz e fotografá-la do outro lado. A sua largura, as três vias que a compõem e o trânsito constante fazem com que esta seja a maneira mais lógica de por ela passear. Apesar de ter alguns prédios com a traça dos anos sessenta e setenta e outros mais modernos, a Avenida da Liberdade, tal como outras das principais artérias de Lisboa, tem prédios magníficos, absolutamente maravilhosos. Aqui estão na sua maioria recuperados, o que acrescenta ainda mais beleza a esta rua. E, é claro, as colinas e o seu casario estão sempre à espreita em cada transversal. Apesar de mais modestas, são essas casas das colinas e os seus telhados que dão a Lisboa a paleta de cores de que falava há pouco.


A Avenida da Liberdade é também famosa pelas suas lojas. Foi aqui que algumas das mais famosas e mais caras marcas do mundo resolveram estabelecer-se e, tenho que admitir, os seus luxuosos interiores fazem jus à magnificência dos edifícios que as acolhem. Mesmo nos mais modernos, não pude deixar passar esta estátua assustadoramente cómica por cima da Fly London e o toque de humor na porta já encerrada de uma loja de fatos de banho.



Quando cheguei ao topo da Avenida, os pés latejavam, as pernas doíam e ansiava por me sentar numa das esplanadas que estiveram na origem deste passeio de final de semana. Pelos vistos, não era a única que não aguentava nem mais um minuto em pé...


E assim caiu a noite na Avenida. Sebastião José Carvalho e Melo, mesmo em estátua, revela continuar a ter visão. As luzes da cidade que caem sobre o rio e as que percorrem a Avenida são, sem dúvida, um dos espectáculos a não perder na vida e na noite de Lisboa.

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