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domingo, 27 de novembro de 2011

No pulmão de Lisboa

Lisboa tem o Tejo. Tem a luz. Tem o casario. Tem as suas cores rosa e ocre e branco e o vermelho dos seus telhados. Tem as linhas do eléctrico, o emaranhado das ruelas apertadas, o traçado simétrico das grandes avenidas. Tem a calçada. Tem a luz. Tem o Tejo. A luz e o Tejo que nos marcam os corações de forma indelével. A luz e o Tejo que dificilmente saem da nossa memória. Pelo menos da minha.

Mas Lisboa tem também pouco verde, costumava eu dizer, costumava eu achar. Digo-o, dizia-o, esquecendo-me de Monsanto. Não sei porque me esqueço, já que por ele passo todos os dias, já que tantas vezes levo a minha filha a um dos seus parques infantis. Porque me esqueço (ou esquecia) eu de Monsanto, do pulmão de Lisboa? Não sei dizer. Mas sei explicar porque é que agora não me sai da cabeça.

Há uns dois meses mudei fisicamente de lugar no emprego. Antes, enquanto o computador ligava, olhava para o Tejo, para o Mar da Palha. Depois mudei-me para o lado oposto do nosso piso e fiquei triste por deixar de ver o rio. Fiquei ao lado de uma janela com vista para Campolide, Benfica e por aí em diante. Com prédios. Com ruas. Com o Estádio da Luz na linha do olhar. Mas, também, um pouco de esguelha é certo, com uma vista soberba para o aqueduto. E, claro, com vista para Monsanto, para parte dele pelo menos, estendendo-se o resto pelas minhas costas e tornando-se visível sempre que viro a cadeira. Que era grande, eu sabia. Mas por qualquer razão não tinha ainda realizado realmente o tamanho da mancha verde que vai de Benfica à Ajuda, das Amoreiras a Carnaxide. Então, comecei a ficar obcecada pelo facto de o conhecer tão mal. Por ter, durante tanto tempo, insistido que Lisboa tinha pouco verde, esquecendo-me de que há uma quase floresta em plena cidade.

Ontem desfiz em parte essa obsessão. 


Para além dos seus trilhos, vegetação mais ou menos cerrada e clima peculiar, Monsanto conta com diversos equipamentos, entre os quais os parques infantis. Até ontem apenas conhecia o do Alvito, mas a festa de aniversário de um amigo da minha filha levou-nos ao Parque da Serafina. São dois parques muito diferentes: enquanto que o Alvito gira em torno dos baloiços e escorregas de formas, tamanhos e dificuldades variadas, o da Serafina destaca-se pelos espaços verdes, pelos inúmeros locais para merendas onde se multiplicavam outras tantas festas de aniversário ou lanches de família, por um labirinto e um farol e escorregas cor-de-rosa para as meninas, por alguns divertimentos fechados e por uma área de passeio muito extensa, que nos convida a dar corda aos pés, a parar o relógio e a perder a noção das horas.

 

No topo do parque, há um miradouro sobre a cidade e uma estrutura que parece ter albergado em tempos um bar e que acolhia ontem mais uma festa de aniversário.


Ali encontrei uma vista semelhante à que tenho da janela de que vos falava em cima, mas do lado diametralmente oposto. Hoje, assim que a neblina da manhã dispersou, confirmei que consigo ver o telhado do suposto bar, meio perdido entre tanto verde.


Dali do alto, conseguimos também ver a ponte, o Tejo e o Cristo Rei. O casario ribeirinho, esse, está escondido pela densa vegetação. 


Mais perto do final da tarde (mas tão cedo quanto às dezasseis horas, agruras de Novembro...), o parque enche-se de sombras e reflexos que lhe dão um aspecto mágico e que nos dão uma sensação de um mundo diferente, onde o alheamento a todos os males que andam por aí se torna quase um imperativo.



Tentando aproveitar a última hora de luz, saímos do parque e fomos ver o pôr-do-sol aos Montes Claros, do lado oposto da pequena serra da nossa Lisboa. Também nunca tinha lá ido e fiquei deslumbrada, não só pela velha e oca árvore que me lembra uma outra da minha infância (que vos irei mostrar um dia), como pelas cores do Outono reflectidas na água, os passeios ordenados dos patos e o som dos pássaros. O edifício que se vê é o do Restaurante Montes Claros que, apesar de me aparecer como funcional em todas as pesquisas que faço, parece votado ao abandono.


O chilrear dos pássaros dá de repente lugar ao fon fon fon de uma tuba, que se espalha pelo ar e logo é seguido pelos trompetes e trombones e outros instrumentos de uma banda que por ali ensaiava. O que se pode querer mais do que um pouco de jazz ao vivo na primeira visita de sempre aos Montes Claros, a poucos minutos do pôr-do-sol, com as cores laranja do final do dia a pintarem todos os recantos?
 

Sendo os Montes Claros um miradouro, seria de esperar mais fotografias sobre as vistas para fora dele, não para dentro. Mas não estive para aí virada e explico porquê. Bem, de um lado, a vegetação ultrapassou a linha do nosso olhar e o que deveria ser uma vista soberba sobre o rio e a cidade ficou completamente tapada. Do outro, vê-se Alfragide, Carnaxide e afins e, confesso, uma fotografia aos grandes edifícios industriais, aos Ikeas e Alegros, aos edifícios de escritórios não cabe propriamente no meu filtro estético. 

Restou-nos então saír dos limites do miradouro e entrar pela mata, para ver se a vista seria mais desafogada. Digo-vos, passear pelas entranhas de Monsanto numa tarde de domingo, a dois passos de casa e a poucas horas do início da semana de trabalho tem qualquer coisa de indescritível. É como se o fim-de-semana fosse potencialmente infinito...



As vistas estendem-se sobre os subúrbios e a cidade, com o rio quase mar a compensar a fealdade dos prédios. Os últimos dias têm-nos brindado com uns pores-do-sol fora de série, com a grande bola de fogo a fazer-se reflectir redonda no mar, a descer lentamente, a mergulhar nas suas águas e a desaparecer no fio do horizonte com uma beleza e graciosidade que, confesso, nunca tinha visto.


Os seus últimos raios laranjas riscam o castanho da terra e o verde das árvores, mostrando-nos que é hora de regressar. Afinal, não há fins-de-semana infinitos, não é?


Foi também a deixa para a banda dar por findo o seu ensaio. Quando regressámos aos Montes Claros, ouvimos ainda uma última música, um Jingle Bells cheio de swing que nos recordou que, em menos de um mês, será novamente Natal. 


Não fora haver uma criança para ir buscar, teria ficado por ali até ao cair da noite e poderia, quem sabe, fazer uma fotografia nocturna das luzes dos tais grandes edifícios industriais, Ikeas e Alegros  que, provavelmente, já caberia sem dificuldades no meu filtro estético. Ficará para um passeio nocturno a ocorrer no futuro.

5 comentários:

  1. Das vezes que estive em Lisboa, sempre que passava ao largo de Monsanto, perguntava-me como seria embrenhar-me no meio daquelas árvores.
    Após este post, já tenho alguma noção da beleza do lugar.

    Mas sendo eu um rapazito mais dado à fotografia do que às letras, digo-lhe que possui aqui fotografias geniais e de extrema beleza.
    Muitos parabéns.

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  2. Remus, eu pelo contrário sou mais dada às letras do que à fotografia, que é para mim um admirável mundo novo. Por isso, vindo de si e pelo que vejo do seu site é um grande grande elogio. Um muito sentido obrigado.

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  3. Susana, não são demais os elogios. É extraordinario como nos sentimos a viajar contigo. (com vocês).Um abraço

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  4. Maria Helena Sacadura Simões9 de janeiro de 2013 às 17:34

    Muito interessante, as fotos, os textos, a ideia.
    Parabéns por mostrar e descrever tão bem os recantos e lugares de Lisboa.
    Este é um "pulmão" que conheço desde os anos 50,também no ano em que se cobriu de neve, das corridas de automóveis dos anos 60; do Parque do Alvito com os meus filhos nos anos 70; já nos anos 90 ir com os netos,de alguma que outra ida ao Restaurante de Montes Claros, como ao Restaurante do Alto da Serafina.
    É uma pena terem sido abandonados. Parece que a cozinha do Restaurante Panorâmico foi mal concebida, embora certamente não será o único motivo.
    Continuo fã dos seus blogs que com a sua permição mostrarei aos meus amigos facebookianos.

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    1. Tem a permissão e o meu enorme agradecimento :) Não há nada como sabermos que somos lidos e apreciados!

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