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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Grafitis de Lisboa

O expediente é conhecido e de uso generalizado: quando às bandas de música lhes falta material para editar lançam uma colectânea ou um álbum gravado ao vivo. Também os canais de televisão usam um recurso parecido, em particular no Verão quando, antes de terem prontos (ou comprados) os novos programas se dedicam a exibir reposições de sucessos do passado.






















Eu sei que o blog é demasiado recente para isto mas alguma falta de tempo, de imaginação e de disponibilidade para saídas fotográficas, levaram-me a juntar algumas fotos de alguns passeios por Lisboa sobre um tema a que acho bastante piada: os grafitis (o corrector acusa um erro ortográfico mas o nome aportuguesado parece-me um bocado parolo).
Um pouco por todo o lado se encontram pinturas nas paredes. A maior parte são os abomináveis tags, assinaturas ilegíveis de tipos que presumo quererem exibir o seu recém-adquirido domínio da escrita, tal como as crianças que exibem a sua obra, orgulhosas por começar a usar o bacio.



Felizmente há tipos talentosos a ocupar as paredes de Lisboa e que, mesmo quando querem fazer passar uma mensagem, política, filosófica ou doutra natureza, o fazem com resultados bastante interessantes.






















E esse talento é mais bem sucedido na passagem dessa mensagem do que aquelas pinturas, que me habituei a ver desde miúdo, de frases a escorrer tinta (os sprays não estavam muito difundidos) a mandar Reagan para casa, a chamar caloteiro a Sá Carneiro ou a apelar a uma qualquer greve e em que frequentemente os S’s ou os N’s apareciam mal escritos.

Se esquecermos a praga dos tags, julgo que é seguro dizer que Lisboa tem evoluído muito em termos de pinturas murais.


Depois há verdadeiras obras de arte, como estas fachadas no Saldanha…


…ou as destes 3 prédios na Fontes Pereira de Melo.


Comecei por dizer que esta é uma colectânea um bocadinho de recurso em tempo de vacas magras mas o tema é bastante do meu agrado e, tal como os músicos em crise de inspiração (e financeira), voltarei a ele sempre que tiver material que o justifique.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A ladra da feira

Às vezes os meteorologistas acertam e, tal como anunciado, Sábado foi mesmo um dia de bonança entre a tromba de água de Sexta e a chuva contínua de hoje. Como tal, os planos de ir roubar umas imagens à Feira da Ladra mantiveram-se inalterados. Subimos até ao Campo de Santa Clara pela Rua do Mirante, entrando pelo lado mais povoado da feira. Havia alguma agitação no ar: a polícia estava a fiscalizar os vendedores não licenciados e a apreender mercadorias, levando à censura por parte de um dos vendedores da primeira fotografia que tentei tirar. Mas foi um caso isolado: todos os outros anuiram aos nossos pedidos. 

Deste lado da feira temos literalmente que andar aos encontrões. Vende-se de tudo, desde baterias para portátil a verniz para as unhas, passando por pasta dos dentes, pornografia, roupa nova ou usada ou carrinhos de linhas, cheios e vazios.


Perdi-me por três coisas: estes ferros a carvão, as máquinas de escrever e as máquinas de costura. Tudo em mau estado, é claro, mas a despertar em mim o desejo de saber devolver-lhes a antiga glória. Não sabendo e não tendo levado mais do que uns trocos no bolso, lá ficaram à espera de outro comprador mais habilidoso. 



Os botões em osso para as ceroulas, as colecções de moedas, os serviços de jantar - ou de chá, ou de café - incompletos, faqueiros ferrugentos, lençóis que pertenceram a casas finas, minha senhora, toalhas de mesa, novas, velhas ou assim-assim, todos aguardam novos donos, novas histórias, novas vidas.

E há também as revistas e os jornais que relatam dias mais lentos mas nem por isso mais fáceis do que os de agora. E os livros, sempre os livros, que guardam os sinais do tempo e um pouco da alma de quem um dia os leu.


Quando se sobe esta rua que contorna o mercado de Santa Clara, o ambiente da feira transfigura-se. Quase se pode dizer que se entra no lado seu lado mais "chique", onde as velharias passam (ou pretendem passar) a antiguidades, onde o ar malinder dos vendedores dá lugar a outro que faz o que pode por ser ou parecer mais distinto. Desse lado da feira consegue ouvir-se um duzentos euros, mas pode negociar-se vindo de uma banca, onde os meus olhos desconhecedores falham em identificar algo por que eu pagasse aquele valor.

E a feira continua, rua acima, dando agora lugar a artesãos urbanos, que vão vender as suas roupas, casacos, adereços com um ar um pouco mais alternativo, até que, passando-se o Arco (Grande de Cima), a venda habitual e descontraída das bancas dá lugar a bagageiras de carros abertas e mantas estendidas no chão, sempre a postos para serem fechadas ao mínimo vislumbre de um traço de autoridade. E essa, no Sábado, andava por ali, como poderão dizer os feirantes, os clientes e os espectadores menos prováveis que têm lugar privilegiado no cimo de um candeeiro. E eu - nós - apenas a roubar imagens.

   

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Uma aldeia na cidade

No meio de um inverno com muita chuva, esta semana de sol tem sido uma bênção. Ontem, em vez de ir almoçar, decidi alimentar o espírito e fui passear para uma das minhas zonas favoritas de Lisboa: Campo de Ourique. O dia estava lindo e, embora estivesse frio, o sol e a caminhada proporcionaram-me algo que, com alguma imaginação, até se assemelhava ao calor suave de um dia de primavera.

Entrei pela Ferreira Borges que, apesar de inigualável quando as árvores estão repletas de folhas, não deixa de ter a sua beleza sob um tecto de ramos nus...


No fim da rua, lá estão a Tentadora e a Concorrente, cujas iguarias e traquitanas não me convencem, mas cujos prédios onde se encontram são, para mim, dos mais espectaculares da cidade. 


E a concorrência é feroz, porque Lisboa tem prédios lindos... uns recuperados na sua magnificência, outros dignamente respeitados e acarinhados por quem lá vive, outros acusando já algum desleixo dos seus donos... 


... e ainda outros, tantos, fechados a cadeado, a aguardar moribundos o momento da sua morte, enquanto se vão cozinhando por debaixo das mesas das autarquias os condomínios Palace, Garden, Plaza, Terrace ou, numa alternativa sofrível, qualquer nome português que fique 'bem' com consoantes dobradas... enfim, mesmo ao gosto de uma certa mentalidade portuguesa...    


Ainda assim, renovados, de meia idade, ou moribundos, devem parte do seu encanto àqueles detalhes que a sociedade do descartável acha irrelevantes e que são precisamente aquilo que mais me cativa.  


O plano quadriculado deste bairro tem alguns elementos centrais, sendo um deles o Jardim da Parada. A fotografia que eu esperava tirar não estava lá à minha espera: pela primeira vez desde que me lembro, não havia velhotes a jogar às cartas. Dois ou três estavam perto das mesas, de pé, conversando apenas. Talvez fosse por causa do frio. Quem sabe, por causa da vida. Havia, porém, as senhoras e os seus cães, a velhota a aquecer os ossos fustigados pelo frio, um motard a ler Dostoiévski, uma jovem avó a mostrar os pequenos prazeres da vida à sua neta, uma criança num baloiço, até as árvores... todos a apreciar aquele momento glorioso naquele bairro que mais parece uma aldeia ou, quem sabe até, uma vila...  


E a partir do jardim continuei determinada em cumprir o meu plano de percorrer quatro ruas numa hora. Mas o que encontrei no número cinquenta e dois da Rua Quatro da Infantaria fez-me mudar de planos...


Isso mesmo. Uma mercearia antiga. Com armários antigos. Prateleiras antigas. E o mesmo empregado de há cinquenta e cinco anos, que não só me deixou fotografar a loja (e a si próprio), como fez questão em mostrar-me o antigo relógio que está na parede da sala escondida por detrás daquela porta. E, é claro, contou-me um pouco da sua vida.


Apesar de não ter querido sorrir para a fotografia, foi com um sorriso que o Sr. José Coutinho acolheu a minha atenção e as minhas perguntas, não deixando de fazer as suas. Sou um homem de Fafe, a menina é do Norte? Nada disso, respondi, sou de Lisboa mas gosto de aproveitar a hora de almoço para tirar umas fotografias.

Não convencido, o Sr. Zé achou então que eu era jornalista... Tenho cá tido jornalistas e repórteres e até já cá veio a televisão! E eu disse-lhe que não e comentei o quanto gosto de Campo de Ourique e como tenho pena de as casas serem tão caras. Toda a gente quer vir para Campo de Ourique, justificava o Sr. Zé, mas é um bairro envelhecido, as casas estão muito velhas! Olhe, menina, este prédio e o do lado vão abaixo e tudo! E caiu-me o coração. Como é possível irem destruir um sítio assim... mas ao Sr. Zé não pareceu fazer tanta diferença... tenho um café aqui ao pé - esse é mesmo meu - e levo a mercearia para lá. Leva o negócio, é certo, mas aquele sítio lindo vai mesmo desaparecer...

E foi assim que me contou que veio de Fafe para Lisboa com doze anos, no comboio que parava em todas as estações, imagine!, para passar uma semana com os tios, que tinham a mercearia. Sabe, nesse tempo entregava-se as compras à porta e como estavam à procura de um moço que o fizesse, lá fiquei eu... era só uma semana e já se passaram cinquenta e cinco anos, menina! , dizia-me, não percebi se com mágoa, orgulho ou resignação. E contou-me também que a tia - ou seria a irmã da tia? -, Maria Odete Coutinho, foi a primeira cançonetista a interpretar a Canção do Mar (não pense que foi a Dulce Pontes ou a Amália!). 

Estavamos neste ponto quando chegou o carteiro, com a correspondência e o rosto aceso de esperança para o Porto-Benfica. E o Sr. Zé (benfiquista desde que nasci, como qualquer homem que se preze em Fafe!) esqueceu por momentos as suas memórias e lá fez a conta do pão e fruta que comprei para o almoço e dos legumes que trouxe para a sopa. Adeus, menina, volte sempre!!! 

Pode ter a certeza de que volto, Sr. Zé!




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