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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Pelo século fora

Um desvio à habitual rotina e um jantar no Bairro Alto foram o melhor dos pretextos para aproveitar um final de dia magnífico para passear pelas ruas de Lisboa. Tal como no dia em que me surgiu a ideia de criar este blog, fui a pé desde as Amoreiras até ao Bairro, mas desta vez tinha um plano bem definido: descer a Rua do Século, aproveitando para espreitar as ruas circundantes.


Ruelas, becos, travessas, todos eles são objecto do meu fascínio absoluto. Logo no início da Rua do Século, do lado esquerdo, o Alto do Longo aguçou a minha curiosidade. A experiência diz-me que vale sempre a pena ir espreitar. Valeu, é claro. Entrei num pátio com cheiro a roupa lavada e ruídos de jantares a fazer e de crianças a brincar, não um pátio típico como tantos que há em Lisboa, mas um pátio a transbordar serenidade.  


Mal desci as escadas que nos levam do Alto do Longo à Travessa do Conde de Soure, tive que ir espreitar a Rua Eduardo Coelho, onde se destaca imediatamente o terraço no cimo daquele prédio, que faria as minhas delícias, ou o azulejo magnífico por cima da aduela daquela porta. Mas a luz começava a escassear e eu estava determinada em registar toda a minha descida.


É claro que não pude resistir à Rua da Academia das Ciências. Os arcos são um bom apelativo, mas aqueles jardins dentro dos prédios sempre me fascinaram. O grande destaque tem porém que ir para o som quase ensurdecedor dos pássaros a marcar o final do dia. De volta à Rua do Século, ignorei o chafariz e  deixei-me entusiasmar por estas montras inusitadas, embalada pelo ritmo da salsa que tocava na esplanada contígua.


Não pude tirar fotografias ao emblemático edifício do jornal que, creio, deu o nome à rua, uma vez que está a ser restaurado. Então decidi subir pela Rua João Pereira da Rosa, que me levou até ao Conservatório, onde fui recebida pelo som quente de um ensaio de violoncelo. Os estudantes de música saíam com os seus intrumentos às costas, revelando o ar cansado de um dia de trabalho exigente. 


Para voltar, tive que descer pela Travessa dos Fiéis de Deus, que de tão íngreme desafiou a minha capacidade de equilíbrio. Desemboquei na minha parte favorita da Rua do Século, a dos alfarrabistas, onde sou capaz de perder horas e horas a ver livros e mapas antigos e cheios de alma.  


Finda a rua, cheguei finalmente à Calçada do Combro, também desafiadoramente íngreme. Se tivesse por ela continuado, iria ter perto de São Bento como na passada semana. Mas o meu objectivo final era a Rua das Salgadeiras, paralela à Rua do Loreto, logo devia subir, não descer. Tinha ainda uns dez minutos livres até à hora combinada para o jantar, então decidi enveredar pela travessa de Santa Catarina, a caminho do Miradouro.


A vista dominante é a do Tejo, mas está longe de se comparar com a de outros pontos elevados da cidade. Ainda assim, fiquei com vontade de lá voltar em breve. É que havia uma concentração invulgar de pessoas, cerveja e conversas que abafavam o momento, a vista e todos os sons do final de dia e que fizeram aquela visita saber a pouco.


É incrível o quanto se pode ver e a viagem de sons que se pode experimentar apenas por descer uma rua emblemática de Lisboa.

domingo, 3 de abril de 2011

Amoreiras - Santos - Amoreiras

Esta foi uma semana diabólica num mês infernal em termos de trabalho. Mas a sexta-feira parecia vir a ter todas as condições para ser calma e jurei a mim mesma que iria aproveitar os vinte e sete graus anunciados pelos meteorologistas para dar um passeio à hora de almoço. Assim fiz, tendo como único plano ir para onde os pés me levassem durante o tempo limitado que tinha à minha disposição.


Comecei por descer a Rua do Sol ao Rato, que liga Campo de Ourique ao Largo do Rato e, aí, decidi que desceria pela Rua de São Bento, pelo menos até à Assembleia da República. Esta é uma rua de que gosto particularmente, não só por me recordar a minha curta mas espectacular experiência como jornalista, em que passava parte do meu tempo nos Passos Perdidos, como também pela sua luz e pelas suas lojas de antiguidades e velharias, onde se vê desde os monos mais asquerosos que o mau gosto humano tem capacidade de criar até peças de arte e de mobiliário simplesmente maravilhosas.


A descida é fácil e agradável à vista e ao andar, apesar de vários dos prédios estarem cobertos por andaimes ou tapumes. É mau para as fotografias, mas é sinal de que, aos poucos, a cidade vai sendo recuperada, o que me deixa realmente feliz. Entre as conversas mais ou menos próprias dos "homens das obras", que repousam à sombra na sua pausa para almoço, ouve-se um ou outro acorde quando se passa pela casa-museu Amália Rodrigues, talvez de uma guitarra a ser dedilhada, talvez - mais provavelmente - de uma gravação a chamar os visitantes.


Após quase dez minutos de descida por entre casas cheias de cor, a rua abre-se num largo imponente, eminentemente branco, salpicado pelo verde e pelas flores, perturbado apenas pelo movimento dos transeuntes e onde esta grande árvore nos dá as boas vindas à casa da democracia, que tanto tem sido desprestigiada nos últimos anos, que tanto tem visto e ouvido do mal que se tem feito a este país em prol de objectivos pessoais.


Tinham passado trinta e cinco minutos. Decidi ir a Santos e a opção lógica teria sido seguir pela D. Carlos I. Mas continuei pela Rua de São Bento, espreitando sempre pelas ruelas que subiam à minha esquerda e que plantavam já a ideia de regressar a pé e não de táxi como inicialmente tinha planeado. Esta parte da rua está mais decadente, talvez por ser mais estreita, talvez por ser menos visível, provavelmente por a maioria das pessoas fazer a opção lógica que eu havia decidido não escolher. A rua fica assim sujeita apenas ao escrutínio mudo dos seus velhos inquilinos.  


Passando de raspão pela Rua do Poço dos Negros, entramos em mais uma ruela que nos leva a Santos, mais precisamente à Rua da Boavista. Pensei em ir ver o rio. Pensei passar pelo jardim. Pensei gastar o resto do tempo a andar por ali e depois apanhar um táxi para voltar. Mas as escadarias perpendiculares à Rua de São Bento tinham-me aberto o apetite e apanhei a rua seguinte, voltando para trás a pé e aproveitando todos os minutos possíveis daquele dia magnífico. 


Uma das coisas que mais me surpreende em qualquer cidade é o contraste entre o bulício das suas ruas mais populares e a paz serena das ruas secundárias, mesmo que estejam a uns meros cem metros de distância. Assim que voltei a subir, tive a sensação de estar noutra cidade, mais deserta, mais sozinha, com uma ou outra janela com roupa estendida, uma ou outra cabeça idosa a espreitar e a pensar na vida. 


A Rua da Cruz dos Poiais levou-me ao Largo de Jesus, onde se impõem a Igreja das Mercês e o Liceu Passos Manuel. No largo da igreja brincavam algumas crianças, despreocupadamente, sem medo de perigos, o que me transportou à minha infância e aos tempos em que era sempre seguro brincar na rua.  


Daí segui para a Rua de São Marçal e deixei-me fascinar pela Praça das Flores, cheia de vida com o seu Quiosque de Refresco, enfeitada pelas magnólias em flor e embalada pelo som doce de uma guitarra. Não me lembro de alguma vez ter atravessado aquela pracinha perdida no meio das ruelas lisboetas e fiquei com pena de não a ter descoberto mais cedo na minha vida.


A Rua do Monte Olivete levou-me de volta à confusão de trânsito que caracteriza a Rua da Escola Politécnica. O relógio e as dores nos pés mostravam-me que estava na hora de voltar para a segunda parte do dia de trabalho. Mas a minha máquina continuou atenta e não deixou escapar os recortes da ponte e da Basílica da Estrela lá ao fundo, que marcam sempre os contornos de Lisboa e me lembram que ainda há muito para explorar na minha cidade.


Com este passeio de hora e meia repus energias, afastei a memória da chuva intensa do início da semana e fiquei feliz para o resto do dia. 

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