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domingo, 23 de junho de 2013

A casa dos sofismas


Levei quase dois meses a encontrar as palavras para este post. E elas, constantemente, a correrem à minha frente. A fugirem. Queria descrever com a devida circunstância a visita que fiz no final de Abril ao Palácio de São Bento. Estava marcada desde Janeiro por um amigo do João e, como ele não pôde ir, tomei eu o seu lugar no grupo. Queria ter escrito logo. Tentei. Não consegui. O que poderia justificar a ausência de palavras após a visita à casa onde a palavra é soberana? A um sítio que outrora achei tão inspirador?

A Prudência | A Justiça | A Força | A Temperança


Pensando, pensando, é o desrespeito. O desrespeito que sinto por todos aqueles que deveriam representar-nos e que não fazem mais do que representar-se a si próprios.  E o meu desrespeito não é mais do que o espelho da sua própria falta de respeito. Pelas palavras por si proferidas, pelo peso de um nunca, de um sempre, de um tudo, de um nada, que num instante são reduzidas a pó, amassadas e transformadas precisamente no seu contrário.     

Bustos de Natália Correia, Adelino Amaro da Costa e Alda Nogueira, Claustro

Pelas palavras de outros que lutaram para que as de todos pudessem ser ouvidos. Pelas palavras que deixam de trocar entre si, substituindo-as pelo insulto fácil, pelo discurso destrutivo, pela mensagem enganadora. O desrespeito uns pelos outros. Acima de tudo, o desrespeito por todos nós, essa massa estúpida e ignorante, incapaz de perceber a estoicidade do que está a ser feito, de elogiar a coragem de quem decide, de quem suporta e de quem critica mas não tem realmente coragem para fazer diferente. E daqueles que não se conseguem entender para poder ter força para fazer diferente.

Jardins do Palácio e Palacete de São Bento

Essa massa que não soube dizer não quando lhe disseram que era fácil, barato e dava milhões comprar o seu apartamento no subúrbio por duas vezes mais do que valia porque iria poder vendê-lo pelo triplo em dois anos e endividar-se o quádruplo, porque bolhas, só de sabão que as imobiliárias eram coisa do passado e que não não valia a pena ter preocupações com o futuro nem, já agora, ler as letras miudinhas do contrato. Para quê? Olha, agora aguentem-se!
    
Átrio Central
Escadaria Nobre e Lustre
Essa massa estúpida que não sabe o que são as coisas grandes. Que não percebe o que é uma taxa de juro, que não sabe o que é a dívida pública, um spread, uma yield e para quem as previsões económicas são algo tão esotérico e de difícil acerto quanto as previsões meteorológicas (humm...)...

Passos Perdidos 

O meu primeiro emprego foi como jornalista. Foi das melhores e mais gratificantes experiências da minha vida. Uma das minhas tarefas era fazer a cobertura dos debates e das comissões parlamentares, algo que eu pura e simplesmente adorava. A casa dos sofismas ainda era, para mim, a casa da democracia. Aprendi muito naquela sala dourada, mesmo com aqueles com quem não concordava. 


Senado

Tirava prazer dos debates parlamentares porque ainda tinham alguma elevação. Ainda se debatia a vida das pessoas considerando-as isso mesmo: pessoas. Não números. Não uma pilha de objectos inertes cujas vidas são puramente irrelevantes. Havia ainda preocupação sobre um conceito tão central no Estado como o bem-estar social. E a preocupação era, acredite-se, generalizada e genuína. E não era a ingenuidade dos meus vinte e poucos anos que me cegava. Era, sim, o facto de ainda haver pessoas que estavam na política para servir os outros mais do que para se servir a si próprios. Aqueles espécimes que hoje conseguimos contar pelos dedos? Sim, ainda os havia. Também ia já havendo dos outros, dos de agora, ainda pequeninos mas a lançar já as suas sementes, a tecer as suas teias, que foram o que realmente nos levou a onde estamos. Todos eles, independentemente do partido, não têm o menor escrúpulo em trair o seu eleitorado, em propor ou fazer diferente do que havia sido prometido. Para mim, as eleições são um contrato entre mim e aqueles em quem voto. Para aqueles são um conjunto de cruzes em papéis, firmadas por uma cambada de ignorantes.


Sala das Sessões

O guia, na nossa visita, fez um apelo constante à intervenção. À participação. Sempre correcto no seu papel institucional, mas sempre a alertar para aquilo que cada um de nós pode fazer. Deve fazer. Sempre atento, sempre diligente, mas claramente exasperado por os cidadãos estarem cada vez mais longe dos seus representantes. Ou, afirmo eu, por os representantes estarem cada vez mais longe dos cidadãos, de quem os elegeu. Porque as palavras ditas em campanha, que orientam os votos de muitos eleitores, leva-as o vento. E leva-as logo à primeira oportunidade que surge. Porque são palavras ocas, ditas por pseudo-líderes mal intencionados 'e barra ou' esquizofrénicos.

Salão Nobre
Galeria dos Presidentes | Vista sobre o Claustro

Fascina-me sempre a ciclicidade da história. Como os problemas de hoje eram problemas há cem ou há duzentos anos. Como tão facilmente as pessoas deixam de ser pessoas e como lhes é dada a ilusão de que o são. Custa-me que a maioria dos nossos políticos não seja capaz de olhar para o passado. De aprender com a história. Entristece-me quando lhes é posta à disposição uma infinidade tão grande de conhecimento, de relatos do passado, que a maioria não lê. Não lhe interessa. Porquê? Porque em nada contribui para a sua agenda pessoal. 



Biblioteca | Vista sobre a Rua de São Bento

Porque a política de hoje não é mais do que isso. Uma agenda pessoal.

Sala dos Arcos



E é por tudo isto que o desrespeito não pode ser inspirador. Para quando uma verdadeira mudança?

Escadaria

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