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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Fui Bugiar

O Bugio é um dos monumentos mais enigmáticos de Lisboa. Omnipresente e ignorado é, por isso mesmo, um dos que sempre me suscitou a curiosidade, ampliada pela distância a que está da costa que não deixa perceber o seu real tamanho, a sua forma, a sua função. A razão de existir.
Há dias tive a oportunidade de satisfazer essa curiosidade.


Sob um céu azul fabuloso (tão singular que devia ter um nome próprio, talvez Azul-Lisboa) fizemo-nos ao mar a bordo do semi-rígido que em cinco emocionantes minutos nos levou até perto do Bugio. A entrada para o forte faz-se por uma pequena porta que nos leva ao primeiro nível do edifício, uma base larga de pedra branca sobre a qual assenta a muralha interior, o verdadeiro forte.
Pela porta da muralha interior acede-se a uma pequena câmara onde se começa a suspeitar do abandono a que tem estado condenado o forte do Bugio. O seu interior tem várias dependências, espaços destinados à guarnição militar, aos víveres, ao azeite (o combustível que se usava), à oração – o estado a que se deixou chegar a pequena capela é confrangedor  - e, mais tarde, aos alojamentos dos faroleiros e suas famílias. Uns pequenos tê-zero duplex, um dos quais com o privilégio de uma fabulosa vista de mar.  

No centro da circunferência formada pela muralha está a cisterna para a água potável, o bem mais precioso para a guarnição por ser o mais difícil de transportar. A cisterna é a base da torre do farol, ligada à muralha por quatro arcos que lhe auxiliam o equilíbrio e, no piso superior (o topo das muralhas), permitem o acesso ao farol propriamente dito.  



É um edifício fascinante. Uma nau de pedra erigida para defender a barra das armadas inimigas, construída para albergar os canhões que cruzariam o seu tiro com as fortificações da linha de Cascais. Uma fortaleza inexpugnável que da única vez em que foi posta à prova falhou rotundamente o teste a demonstrar a honrosa inépcia deste povo para as artes da guerra.


A minha oportunidade de o conhecer – e de ouvir as suas estórias – foi-me dada pela Associação Espaço e Memória e por Joaquim Boiça, filho de um dos últimos faroleiros do Bugio e historiador apaixonado pela sua terra, pela arquitectura militar e pelo farol que conheceu quando aqui havia vida. Uma vida que ficou suspensa neste (mais um) sítio que está deixado ao abandono e que podia, como poucos outros, contar as histórias do século de ouro português. Não o faz porque as autoridades que o superintendem não se entendem, mantendo essa história ao largo das pessoas que as querem conhecer.  

domingo, 8 de julho de 2012

Sara (ou o que sei do Jardim Botânico)

Aquele jardim foi o nosso recanto durante a tarde, durante as tardes daquele mês de Maio. Já não me lembro do ano nem interessa, foi em Maio.
Num jardim que foi criado para formar botânicos, íamos lá para aprender anatomia. A das bocas que não se largavam, das línguas que se entretinham e tentavam distrair a atenção das mãos que exploravam o outro corpo, as coxas, os seios, as ancas, eu sei lá…
Não era anatomia que aprendíamos. Era a amar. Nas tardes sem aulas (e às vezes em vez das aulas), íamos ensinar-nos aquilo que mais ninguém nos ensinava. Lições que ainda hoje sei, ao contrário das outras, as da manhã, passadas a ansiar que acabassem, a ansiar por ti.
Nunca esqueci o dia em que decidiste acabar com as nossas tardes. Do dia em que aprendi que nunca se é suficientemente crescido para não chorar, o primeiro dia em que não te acompanhei até à paragem do eléctrico que te levava a casa.
O primeiro dia em que saí do jardim sozinho, para nunca mais lá voltar durante quase vinte e cinco anos.
Até hoje…








sábado, 23 de junho de 2012

Os tesouros da Sé



Por fora a Sé tem o ar forte, característico da pouco romântica arquitectura de estilo românico.

Tem o ar de que vai estar lá para sempre, que vai somar mais oito séculos aos que já tem. Ou ainda mais.

A idade histórica já mal serve para medir a sua vida, parece uma escala demasiado pequena. Precisa de uma idade geológica, a que se usa para contar os anos às pedras que a formam, ao chão onde assenta.

Está lá desde da altura em que as roupas usadas por D. Fuas estavam na moda. Foi de uma das suas janelas que o bispo castelhano ser defenestrado e, mais tarde, benzeu as naus-casca-de-noz que usaram essa bênção para correr atrás do ouro, dos negros, das especiarias.

E foi resistindo, às vezes melhor outras quase nada, aos terramotos.

Por dentro tem uma imponência elegante que não se adivinhava de fora. Uma elegância já distante do seu estilo original.
De entre a sua sobriedade geral destacam-se os vitrais por onde entra a luz do sol, assim colorindo o chão da igreja. Um artifício engenhoso para ligar Deus aos seus fiéis filhos, compensando-os de forma paternalista pelo seu distanciamento que a rispidez das paredes quis acentuar.



Os claustros são de construção mais recente que a igreja em si. Têm uma relação engraçada com a luz e a sombra que permite fazer algumas experiências com a máquina. No centro dos claustros está uma exploração arqueológica a decorrer desde 1990 o que me conduziu a duas observações: (i) escavar com vassouras é um processo muito lento e (ii) não me lembro deste sítio arqueológico, o que me sugeriu ser esta a minha primeira visita à Sé.
Vale a pena gastar os dois euros e meio que custa a entrada nos claustros quanto mais não seja para ver um assinalável e inesperado conjunto de vestígios de construções mouras e até romanas, um pedaço de Lisboa que nos aproxima dos tempos lendários em que Ulisses achou ser este um bom sítio para as pessoas viverem.
O tesouro da Sé, nome quase hiperbólico para designar a exposição, alcança-se subindo umas escadas junto à entrada, do lado direito. A primeira sala serve sobretudo para enriquecer o vocabulário ou relembrar algumas das poucas palavras que conhecia. São cerca de 80 metros quadrados de mitras, dalmáticas, cíngulos, tocheiros, báculos e outros objectos cerimoniais usados pelos padres e bispos que aqui exerceram.
No entanto, na sala ao lado da principal, mais bonita que a primeira, está o maior tesouro da Sé. São três janelas do lado da Rua das Cruzes da Sé e de onde se tem uma vista impressionante sobre o Tejo e a Baixa, particularmente bonita no dia que escolhi para esta visita.





Estou mesmo convencido que nunca lá tinha entrado, apesar das milhares de vezes que passei pela Sé. Aposto que se passa o mesmo com a maioria dos lisboetas e é uma pena. Especialmente nestas tardes de Primavera pré-estival em que a visita nos dá acesso a um Tejo glorioso. Se a isso juntarmos a possibilidade de acabar a tarde numa das várias esplanadas ou miradouros da zona, está composto o programa perfeito. Quase sem sair de casa. 


domingo, 17 de junho de 2012

Águas Livres sobre o Vale de Alcântara



Estava há uma vida para ir ao Aqueduto. Pensava nisso quando passava lá por baixo, pensava nisso quando o via do autocarro ou da janela do escritório, mas havia sempre algo a impedir-me de o fazer. O principal motivo era ter que marcar a visita para quase um ano depois, o que é bastante desencorajador. Mas, para quem não sabe, a travessia do Vale de Alcântara pelo aqueduto reabriu ao público a vinte e três de Março e é visitável de Segunda a Sábado, das dez às cinco e meia até trinta de Novembro. Ou seja, já não há obstáculos, desculpas ou justificações. Por isso lá fui, no Sábado de manhã da passada semana. 

A entrada faz-se por Campolide e somos recebidos por um jardim bem cuidado. Invariavelmente, os guardas têm que chamar os visitantes para pagar o bilhete, já que a casinha onde estes se vendem fica fora da zona de passagem e quase fora do ângulo de visão. Mal pensado, não?  


Enveredando pelo estreito caminho que nos leva ao cimo das arcadas, foi com surpresa que fiquei a conhecer o bairro que ladeia o aqueduto. Quem o vê das ruas não imagina o tamanho das casas e dos jardins que se vislumbram, uns bem cuidados, outros nem por isso, mas sempre uma surpresa no coração da cidade. Sossegado, desce até à Calouste Gulbenkian, estando os ruídos do trânsito abafados pelas árvores e pela topografia natural do terreno.


Desta face, a vista não é a mais interessante, marcada pelo alcatrão das estradas e pelo betão dos prédios. Espero que se possa passar para o outro lado, pensei.


E pensei bem. Uma das portas dos torreões está aberta e permite satisfazer a minha vontade. Ao atravessar, podemos ver os túneis do aqueduto, que se estendem por centenas de metros e nos dão uma sensação de infinito, como quando dois espelhos paralelos reflectem um objecto em si mesmos vezes e vezes sem conta. Esta é sem dúvida a imagem mais marcante da visita.


E deste lado, o betão e o alcatrão são substituídos pelos tons quentes do casario, pelo traçado hipnotizante das linhas férreas, pelo verde do arvoredo e pela luz do Tejo, recortada pelos pilares da Ponte Vinte e Cinco de Abril, imagem inultrapassável no perfil de Lisboa. Bem mais interessante. Bem mais Lisboa.


Andando um pouco, encontramo-nos com a famosa placa que nos diz estarmos por cima do Arco Grande, a mais de sessenta e cinco metros do nível da água.


Para completarmos a travessia do vale de Alcântara, temos que passar novamente para o outro lado dos túneis. O Aqueduto muda de direcção um pouco mais à frente e é dessa parte que conseguimos ter a melhor visão das arcadas. 


A combinação de ângulos entre as várias paredes é fantástica...


Apesar de o aqueduto se estender até Belas, o nosso passeio termina com um portão que nos separa do arvoredo de Monsanto, ficando a vontade de um dia seguir a pé ao longo de todo o caminho. É tempo de regressar e, passado o jardim, uma visita ao tal bairro de ruas numeradas dá-nos uma voa vista das arcadas por onde passeáramos minutos antes.


Resolvemos ir até Belas para ver os primeiros quilómetros de aqueduto. Infelizmente, a maioria da construção está em terrenos privados, por isso apenas dá para ter uns vislumbres de alguns torreões e canais. Para a próxima, tentarei ir às várias mães d'Água espalhadas pelo seu traçado, já que é aí que tudo realmente começa...

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