Google Website Translator Gadget

quarta-feira, 21 de março de 2012

A Sagração da Primavera

É Primavera. Aquela estação adorada por muitos, odiada por tantos outros. Eu pertenço ao primeiro grupo. Pelas flores. Pela nova vida que surge. Pelas temperaturas amenas (ainda as há na Primavera?). Pelo sol. Pelo recomeçar. Pelas trevas do Inverno que ficam para trás. Pela rua, pelo estar na rua, pelo passear. Pelo ar livre. Pela vida que as cidades ganham. Pela vida que Lisboa ganha. Na nossa cidade, a Primavera traz para a rua os espectáculos. As novas ideias. Como esta. Os palcos. Como este.

Todas as manhãs acordo com a TSF e ontem ouvi que a Orquestra Sinfónica Portuguesa iria tocar a Sagração da Primavera, de Stravinsky, para dar as boas vindas à nova estação. Bem perto de mim, ali no Marquês, à distância de um descer de rua. Impossível não ir, pensei, e não saí de casa de manhã sem a minha máquina e uma bela sandes de carne assada, que me permitiu ter a hora de almoço liberta. E assim cheguei ao Marquês, que estava já cheio de gente. Perto do palco sentavam-se algumas escolas, que salpicavam o cinza do alcatrão com os chapéus brancos oferecidos por um dos patrocinadores. Pequenas cabeças irrequietas, prestes a experimentar pela primeira vez a sensação de ouvir música clássica. Não que seja uma peça fácil para as crianças, mas vale sempre pelo passeio, pela experiência de ver uma orquestra ao vivo e pela mudança do dia-a-dia rotineiro da escola.  E, já agora, pela excitação de se ser entrevistado para a televisão...


Momentos antes do início do concerto, ouvia-se as últimas afinações dos intrumentos (em 'lá', dizia o locutor que apresentava o espectáculo), aquele som estranho que nos faz sempre temer pela qualidade daquilo a que fomos. Mas logo começou a peça, que mais parece uma conversa entre os sons agrestes e tempestivos do Inverno e a harmonia melodiosa da Primavera. Uma disputa entre violinos e contrabaixos, um quase ataque às cordas por parte dos músicos, seguida por breves pausas, pequenas respostas melodiosas e novo ataque, sempre com o suporte dos instrumentos de sopro em pano de fundo. Uma peça dura e difícil, mas ainda assim uma real homenagem ao fim do Inverno, que durante aqueles trinta e três minutos reclama por ter que partir.


Terminada a peça, foram muitos os aplausos. Os músicos estavam visivelmente contentes por ter levado a cabo a façanha de sair do pó das salas de espectáculo para a luz do sol e por enfrentar um público tão diverso e tão pouco habitual, onde se via de tudo: crianças, homens de fato, mulheres de saltos altos, estudantes, novos, velhos. Um público verdadeiramente eclético.




Lentamente, a multidão começou a dispersar. Os monitores juntavam as crianças para regressarem aos autocarros, as passadeiras enchiam-se de gente, as alamedas do Parque povoavam-se.



Alguns descansavam na relva, outros nos bancos de jardim e multiplicavam-se os piqueniques, alguns improvisados, outros bem preparados, com cesto, merendas e uma bela e indispensável garrafa de vinho. 



O Parque, mais cheio que o habitual, recebia ele também o primeiro dia de Primavera. E que bonito estava hoje...




É assim a nossa Lisboa: de portas abertas à novidade, apadrinhada pelo seu tempo magnífico. Que a falta de tempo não seja desculpa, não é necessário mais do que uma hora e pouco de almoço para quebrar a rotina e aproveitar tudo o que esta cidade tem para nos dar.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Nova Lisboa

Numa cidade antiga como Lisboa, um dos principais pontos de interesse reside nos vestígios da sua história: os seus monumentos, as suas tradições, os seus museus que preservam o passado que foi expulso da vida quotidiana. É isso que o turista se sente quase obrigado a ver quando visita a cidade e nem os caseiros fogem a essa lei, como se pode constatar em várias partes do que aqui temos publicado.


Mas se Lisboa tem um passado incontornável também tem conseguido renovar-se e disso também temos dado nota, quando contámos e mostrámos o que vimos aqui ou aqui, para dar dois exemplos que tenho mais presentes. No Sábado passado fui ao que será a maior mudança urbanística que Lisboa testemunhou nos tempos mais recentes, o Parque das Nações, uma feliz herança da fabulosa Exposição Mundial de 1998.


O meu passeio começou pela estação do metro que serve esta parte da cidade, a do Oriente, que ainda não conhecia e passou a ser a minha favorita pelos magníficos painéis de azulejos que a ornamentam. São trabalhos de autores de várias origens, todos eles evocativos do mar, numa opção coerente com o que foi o tema da exposição mundial e que está presente por todo o parque. À superfície, é impossível ignorar a estrutura concebida por Calatrava, obra tão espectacular como polémica e inútil, por ser tão alta que é incapaz de cumprir a principal razão para existir - abrigar da chuva e do vento os utentes dos caminhos de ferro.



Após a Expo, o parque tornou-se um dos sítios preferidos dos lisboetas para os seus passeios de fim-de-semana, disputando com os jardins de Belém a primazia nas tardes de domingo. Como chegar aqui me obriga a atravessar a cidade, devo confessar que não sou um  frequentador assíduo. No entanto, há aqui focos de interesse, únicos na cidade que, de vez em quando, justificam a visita.




Falo do pavilhão do conhecimento, que põe as crianças num contacto raramente desejado com a matemática ou a física; do Teatro Camões, onde não me esquecerei nunca de me ter fascinado com o brilho nos olhos da minha filha presos que estavam nos bailarinos do CNB, enquanto a mãe lhe sussurrava o enredo do Lago dos Cisnes ou do Romeu e Julieta; de ver uma demolidora adaptação em português de sketches dos Monty Python no auditório dos Oceanos; ou dos grandes concertos no pavilhão Atlântico.


Outra das boas razões para visitar o parque é a sua estética, na forma como os edifícios em que o branco impera estão arrumados em artérias rectilíneas, no arrojo da arquitectura enfatizado em edifícios como a torre Vasco da Gama ou a fantástica pala do pavilhão de Portugal, na proximidade com o rio, na arte urbana presente em locais como os Jardins da Água, o lago das Tágides ou o Jardim Garcia d'Orta, para nomear apenas alguns. 





 
É indissociável do carácter do lisboeta a faceta de velho do Restelo, que eu próprio já exibi por aqui; uma faceta que também se deu a mostrar a propósito deste parque. Mas, neste caso, Lisboa ficou a ganhar e deixou para os turistas do futuro, caseiros ou forasteiros, um marco histórico de que se pode orgulhar, nesta nova cidade que nasceu onde antes havia um cemitério de contentores e de lixo industrial. 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Do Carmo e arredores

Já foram ao Convento do Carmo? Eu nunca tinha ido, até ontem. Depois daquilo que me tomou a manhã e o início da tarde, estava a passear a a fotografar com a minha amiga M. e uma americana pediu-nos direcções para lá ir ter. Fiquei imediatamente com vontade de seguir as direcções que lhe demos e esse acabou mesmo por ser o meu destino. Mas já lá iremos.



Apesar do frio, estava uma tarde gloriosa e o Chiado resplandecia. É sem dúvida a zona mais viva da cidade. Vê-se de tudo, ouve-se de tudo: famílias, solitários, amigos, malabaristas, ensaios ao vivo, dança moderna, encontros, desencontros, tudo, ali, a qualquer hora que lá se vá.


Desde o incêndio de oitenta e oito, de que me lembro vividamente, o Chiado tem sido reconstruído e reabilitado de forma a que o moderno e o antigo coexistam. Na minha opinião, é algo que tem sido conseguido com sucesso.


Lá fui então ter ao Largo do Carmo, onde a frente do convento se dilui nas árvores e no casario, mas onde permanece imponente, apesar de despido de tecto. Há já vários anos que tinha vontade de o visitar, mas nunca tinha havido oportunidade. A turista americana tratou de me dar o mote e lá fui eu, munida de bilhete e máquina em punho. Quem já foi à Escócia, aprende a ver a beleza num edifício em ruínas, sobretudo quando o que se mantém de pé está bem conservado. Este foi claramente o caso e, por momentos, senti-me novamente nas abadias escocesas e renasceu em mim a vontade de lá voltar. Afinal, é um dos sítios mais espectaculares que já visitei.


Gostei muito de visitar o Convento, que acolhe aliás o Museu Arqueológico do Carmo, mas o que fez realmente a minha tarde foi ver um grupo de pais e miúdos que estavam de visita ao espaço. Os pais, creio, organizaram um jogo onde os miúdos tinham que procurar os símbolos e estátuas que lhes iam mostrando em fotografia. Estavam organizados em equipas e as correrias, a algazarra e a excitação por ter encontrado o pretendido era entusiasmante. Bela actividade para um Sábado à tarde. Bela alternativa às consolas.




A nave do Convento, que é a parte sem tecto, é sem dúvida a mais impressionante, mas o espaço interior vale a pena explorar. Tem painéis de azulejos magníficos, uma bela biblioteca, e expõe variadas peças, algumas encontradas nas escavações de noventa e seis, outras de proveniências variadas. 


Lá encontram-se também, entre outros, o túmulo de D. Fernando e a sepultura primitiva de Nuno Álvares Pereira. Correndo o risco de tornar este site um pouco tétrico (após dois posts seguidos com cemitérios e túmulos), acho que vale a pena dar uma vista de olhos ao trabalho de escultura, que está magnífico.


De volta ao exterior, sentei-me a descansar um pouco e a observar a linda janela manuelina e, confesso, a merecida merenda dos miúdos que por essa altura já haviam completado o jogo. Recomendo a visita, sem sombra de dúvida.


A tarde chegava ao fim, mas ainda houve tempo de descer a Calçada do Carmo para tentar ver as vistas. Para quem tenha interesse, há vários alfarrabistas por ali. Estavam todos fechados, mas uma espreitadela furtiva deu para perceber que se pode encontrar vários tesouros dentro daquelas portas.


Para voltar ao Chiado, há que subir a enorme escadaria da Calçada do Duque, mas a vista sobre o Castelo faz o esforço valer bem a pena. Os restaurantes começam a tratar dos jantares, ouve-se fado pelas ruas e há esplanadas nos sítios menos prováveis. E, apesar do frio e de ser Fevereiro, mantêm-se alguns enfeites dos Santos Populares, que dão sem dúvida um ambiente diferente e ajudam a suportar a dura subida.


E chega-se por fim ao Largo Trindade Coelho, onde o cauteleiro que lhe dá outro dos seus nomes nos espera com a sua cautela na mão e o seu rosto afável.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Leaving Lisboa

Leio na Pordata que ultrapassei, há algum tempo, metade da minha vida expectável pelo que faz sentido ter já pensada a forma como hei-de partir deste mundo, dadas as alternativas à disposição. Se quiser acrescentar algum rigor a esta contagem, o meu fim há-de estar mais próximo, ponderados alguns aspectos da maneira como me trato, tão censuráveis como ignorados por quem prepara estas estatísticas, como o meu sedentarismo, o meu excesso de peso ou o gosto excessivo pelo tabaco.


Na verdade já há uns bons anos que me convenci que a melhor alternativa para mim seria a cremação. A descrença em qualquer forma de complemento à vida terrena, o trabalho que dá manter uma campa e o sofrimento associado aos ritos da morte parecem-me argumentos mais que suficientes para suportar esta opção, a que aliás não associava nenhum inconveniente até ver os familiares do Carlos Castro a levarem com os seus restos incinerados na cara empurrados pela corrente de ar da ventilação do metro de Nova Iorque onde os tentavam depositar.


Visitar o cemitério dos Prazeres deu-me uma boa oportunidade de ver como é que os lisboetas têm vindo a lidar com esta questão desde o século XIX. E o sentimento com que fiquei é que dão muita importância ao fenómeno, consumindo recursos avultados para erigir jazigos monumentais, muitos deles assinados por arquitectos. Julgo que não há outro cemitério em Lisboa com tantas construções destas, alguns com dimensões impressionantes, quase a querer concorrer em altura com os abundantes ciprestes.

Para além das construções que mandam fazer, é notável a quantidade de placas tumulares em que não prescindem de fazer preceder o nome do defunto do título honorífico ou do que os ocupava em vida, quem sabe na esperança de que isso lhes sirva de referência no além, um certificado de habilitações tumular, o que até faz algum sentido para quem acredite na eternidade, já que passá-la numa ocupação menor depois de ter usufruído de uma vida de elite não deve ser nada agradável.


Este pretensiosismo será mais evidente aqui por se tratar do cemitério que serve a zona ocidental de Lisboa, tradicionalmente uma parte nobre da cidade, habitada por conselheiros, juízes, médicos, políticos ou oficiais do exército, para nomear apenas alguns. Enfim, alimento para vermes como todos os outros, com a provável diferença de ser um pouco mais calórico.


Se todo o cemitério está repleto destas obras de dignas de nota, o destaque tem de ser dado ao mausoléu do Duque de Palmela, o maior da Europa erigido por particulares, que alberga os restos mortais de cerca de 200 pessoas, a maior parte familiares daquela figura da história. É uma construção inspirada nas pirâmides egípcias, eventualmente na simbologia maçónica que também se vê reproduzida em muitos outros jazigos por todo o cemitério.


O cemitério dos prazeres é uma verdadeira aula de história, onde se encontram vestígios da história contemporânea portuguesa e lisboeta, tanto que pode ser visitado com recurso a um guia. E essa será uma experiência imperdível, a julgar pelas estórias que se adivinham escondidas naqueles túmulos, jazigos, símbolos e ciprestes, pelos mistérios representados nas decorações tumulares, pelas inscrições mais ou menos enigmáticas que dão pistas para conhecer (ou imaginar, como prefiro) vidas que já foram.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...